Turismo passado sem presente para
o futuro!
Muito se tem falado no desenvolvimento sustentavelmente
acelerado do turismo no nosso País, e seria bom que se fizesse uma análise
retrospetiva do que foi a insipiente atividade turística no tempo colonial para
se pensar no presente e no futuro.
De acordo com a Organização Mundial do Turismo, a atividade
turística contribui para o crescimento económico, para a criação do emprego e
para a redução dos desequilíbrios da balança de pagamentos. Contabilizando efeitos
diretos e indiretos, o turismo representa 10% do PIB mundial; Concorre para 30%
das exportações de serviços, 6% das exportações totais, igualando ou excedendo
até as do petróleo, produtos alimentares ou automóveis, e é responsável por um
em cada onze empregos. Razões mais que suficientes para o considerarem um motor
essencial do desenvolvimento.
A Sociedade das Nações instituiu em 1937, a primeira
definição de turista, como “toda a pessoa que viaja por um período de 24 horas
ou mais, para um país diferente do da sua residência”. Relativamente ao
entendimento inicial, alarga o conceito estendendo-o às pessoas que se
deslocavam com um objetivo que não propriamente o do lazer. Mistura quem viaja
para lazer com quem mistura outra
atividade.
Em 1942 foi proposta à Association Internationale des Experts
Scientifiques du Tourisme ultrapassar alguns hiatos da definição anterior e
para HunziKer e Krapf o turismo é “ o
conjunto de relações e fenómenos produzidos pelo deslocamento e permanência de
pessoas fora do seu local habitual de residência, desde que esses deslocamentos
e permanência não sejam motivados por uma atividade lucrativa principal,
permanente ou temporária.”
Em 4 de Junho de 1954, a ONU, na convenção sobre facilidades
aduaneiras a favor do turismo, reformula a noção de turista, que passa a ser
“toda pessoa, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião, que entra no
território de um Estado contratante, que não seja aquele onde reside
habitualmente, e nele permanece durante 24 horas, pelo menos e não mais de 6
meses, no decurso de um período contínuo de doze meses, se a sua viagem tiver um motivo legitimo que não seja a
emigração, tal como: turismo, recreio, desporto, saúde, família, estudo,
peregrinações religiosas ou negócios”.
Pontualmente foram feitas novas adaptações a este conceito
mas só em 1991, a Organização Mundial de Turismo, conseguiu ultrapassar
inúmeras críticas e tentar encontrar uma definição consensual, até para efeitos
de uniformização estatística, definindo o conceito como “um fenómeno social,
cultural e económico relacionado com o movimento das pessoas a lugares que se
encontram fora do seu lugar de residência habitual por motivos pessoais ou
profissionais. Estas pessoas são denominadas visitantes (podem ser turistas ou
excursionistas; residentes ou não residentes) e o turismo tem a ver com as suas
atividades, das quais algumas implicam um gasto turístico”.
O turismo tem conhecido assinalável desenvolvimento. Segundo
dados da OMT, as chegadas internacionais turísticas totalizavam os 25 milhões
em 1950, os 278 em 1980, os 527 em 1995 e mais de 1100 em 2014. A Europa é o
principal destino recebendo mais de metade dos turistas internacionais.
Angola, enquanto colónia de Portugal não tinha qualquer
iniciativa no domínio da promoção e desenvolvimento do turismo. As razões eram
evidentes, um pouco à semelhança do que acontecia com a estrutura do estado
central em Lisboa.
Já vimos que o turismo, enquanto atividade de relevância
económica e social, só apareceu com algum significado depois do primeiro
quartel do século XX. Coincidiu temporalmente em Portugal com a ascensão do
Estado Novo e da ditadura de Salazar e Caetano.
Uma das revelações, se é que assim se pode chamar, da
ditadura foi a xenofobia exacerbada, aliada a uma desconfiança a tudo que
viesse de fora, principalmente o que pudesse fazer contrastar de forma evidente
os hábitos “abençoados” do “Povo Português”, e alterar a letargia a que se
chamava eufemisticamente “brandos costumes”!
Houve inicialmente no governo central o Secretariado Nacional
da Propaganda (3-2-1940) tutelada por António Ferro, sob alçada direta de
António Salazar e que tinha a supervisão do turismo a nível central. O turismo
era primordialmente um meio de propaganda e não era encarado como uma atividade
económica importante. Em 1944 o SNP muda a terminologia para o Secretariado
Nacional de Informação, Cultura Popular e Turismo, sendo pouco mais que um
órgão consultivo. Entre mudanças, recuos, progressos a verdade é que nunca, até
ao 25 de Abril de 1974, o turismo se conseguiu separar organicamente da Informação
ao nível central. A censura prévia vigiava toda a imprensa, editoras,
espetáculos ou outras iniciativas culturais e recreativas , mas dependia do
Ministério do Interior enquanto o secretário de estado da informação e turismo
dependia diretamente do 1º ministro.
Explica-se isto, porque não havia em Angola nenhuma estrutura
desconcentrada deste quadro que se observava na “Metrópole”. A censura era
muito branda, a que não era alheia a percentagem de 97% de analfabetos no
território e a estratificação social era tão acentuada que praticamente era
desnecessário “perder tempo com coisas de poucos”!
Havia nalgumas camaras municipais um pequeno sector do
turismo, que pouca mais atividade tinha que a fiscalização do paupérrimo parque
hoteleiro da colónia, restaurantes e bares. Angola não queria cá turistas nem
ninguém que alterasse o status quo prevalecente!
Pelo decreto-lei 42194 , de 27-03-1959 é criado no âmbito do
Ministério do Ultramar o CITA, Centro de Informação e Turismo de Angola,
entidade localmente dependente do governador-geral, mas sob a orientação e
coordenação da Agencia Geral do Ultramar. Extingue este diploma a Casa da Metrópole
de Luanda, criada em 1934 para apoiar o SNP nas feiras internacionais em que
Portugal foi participando.
Isto é um tema que merece bem mais que este artigo, porque a criação do CITA é objetivamente para
montar em Angola uma estrutura poderosa que tinha funções de propaganda e
simultaneamente de orientação metodológica e ideológica de toda a imprensa
local. A título de exemplo o diretor do CITA é que tinha a responsabilidade de
nomear o diretor da “Emissora Oficial de Angola” (decreto 47699 de 15-5-1967)!
As atribuições do CITA eram enormes, e a preocupação de qualquer governador-geral
era a de ter um “fiel” no seu topo e em lugares de subalternidade direta, para
a caso de advirem complicações.
Prova evidente que uma estrutura deste tipo, está perfeitamente
de acordo com a manifesta vontade de tudo controlar, de filtrar ao máximo tudo
o que pudesse sair para o exterio,r e que tivesse entre quem visitava a colónia
gente que “fosse só dizer bem”. Claro que quando sobreveio a guerra colonial, o
CITA via-se com redobradas dificuldades, para manter a imagem de uma “Angola
pacífica e harmoniosa” que se tentava vender no exterior!
Um dos homens que foi transversal em todo o final da
governação colonial, Álvaro
de Moura Koch Fritz, foi o poderoso chefe de gabinete de vários governadores, e
nessa qualidade controlava as atividades do CITA. Dizia uma vez na esplanada do
Arcádia, ao lado do Banco de Angola na Marginal, quando via o paquete Vera Cruz
levar um contingente de militares de regresso a Portugal: “ Andamos aqui com
tanto trabalho para sensibilizarmos meia dúzia de jornalistas sob a justeza da
nossa presença em Áfric,a e vão ali mil e quinhentos militares que vão destruir
tudo mal comecem a abrir a boca. Cada um daqueles tipos é uma voz contra nós”
Convém dizer que terá sido esta figura discreta, um dos homens mais
poderosos da estrutura governativa
colonial.
As preocupações do CITA eram sobretudo de informação, e a
divulgação do turismo era sobretudo avaliada nesse contexto. O turismo não era
visto como atividade económica, mas fundamentalmente era olhado como uma via de
propaganda de tudo o que o governo colonial queria quer se mostrasse lá fora.
Como havia muita coisa que “desagradava”, nunca terá havido uma ação significativa
por parte das autoridades, para a promoção real do território, que teria
merecido um maior empenhamento, e que não se estivesse chegado á independência
com um paupérrimo parque hoteleiro, só para falar numa das áreas deste
importante setor de atividade.
Aqui está uma abordagem indispensável para conhecer o ontem
do turismo em Angola.
Fernando Pereira
12/6/2016