Era uma Casa!
“Trago em mim o inconciliável e é
este o meu motor Num universo de sim ou não, branco ou negro eu represento o talvez”
Pepetela
“Mayombe”
O
título deste artigo é o início de uma canção do Vinícius de Morais que
trauteávamos nos idos sessenta do século passado.
Como
estamos em tempo de efemérides, e neste caso os 47 do nosso 11 de Novembro era
justo trazer à lembrança o que foi a Casa dos Estudantes do Império, e o que
representou no contexto da luta de libertação nas colónias portuguesas.
Muitas
vezes a CEI foi propositadamente esquecida no contexto da luta, e ainda hoje,
ultrapassadas muitos anos parece que ainda se evita coloca-la num contexto
importante na afirmação dos valores independentistas, entre uns quantos que a
frequentaram de 1944 a 1965, data do seu encerramento.
A CEI,
ou a Casa, tinha instalações em Lisboa, na Av. Duque de Ávila, no Arco do Cego,
num prédio que ainda lá está e recuperado, em Coimbra num edifício já demolido
junto ao Penedo da Saudade e no Porto, de curta duração. A Casa em Coimbra
fechou em 1961, quando praticamente não tinha actividade, embora tivesse
editado um boletim cultural, “O Meridiano”, de que terão saído poucos números.
Para
além das actividades culturais, o nascer da afirmação de liberdade e libertação
e outras, a Casa conseguiu algo que raras vezes vejo salientado.
Foi
importante que angolanos se conhecessem, e que estes estabelecessem ligações
com estudantes das outras ex-colónias.
Na
realidade os angolanos que vinham estudar para Portugal só se conheciam dos
bancos do Salvador Correia em Luanda, e do Liceu Diogo Cão na então Sá da
Bandeira. Não se conheciam, salvo um caso ou outro, porque todos os do Sul de
Angola, e aqui incluíam-se as províncias em que a fronteira era a linha do Caminho
de Ferro de Benguela, iam estudar para o Liceu Diogo Cão, que era quem absorvia
as gentes dos colégios, missões e liceus do centro-sul do território. Todos os
alunos do centro-norte da “província” em iguais circunstâncias iam para o Liceu
Salvador Correia em Luanda.
Os
finalistas dos liceus de Angola conheceram-se em Lisboa na CEI, porque até aí
nem sabiam muito bem o que se passava num ou noutro estabelecimento de ensino.
Foi aqui que esta gente se juntou,
e se o espirito do então ministro das Colónias Francisco Vieira Machado,
secundado pelo comissário geral da Mocidade Portuguesa Marcelo Caetano, seria
juntar numa casa todos os estudantes das colónias para criar uma elite de
continuadores da “dilatação da fé e do Império”, conseguiu precisamente ajudar
a criar um grupo importante de gente que se afirmou disponível para lutar pela
libertação das colónias portuguesas, e que de certa forma foi o fermento de uma
estrutura chamada de CONCP (Conferencia das Organizações nacionalistas das
colónias portuguesas), que juntou muita gente da CEI engajada nos movimentos de
libertação!
Quando se fala da CEI há a
convicção que todos os milhares de pessoas que por lá passaram ao longo de 20
anos eram, ou tornaram-se convictos independentistas. Nada de mais enganador.
A maior parte utilizava a CEI
porque tinha um posto médico, uma procuradoria que ajudava os estudantes em
actos administrativos, fazia muitos bailes, projectava uns filmes com apoio de
cineclubes, saraus, desporto, promovia viagens e jogos florais. Era
significativo o numero dos que se
dedicaram à causa independentista, mas no geral foram muito mais os que não
ligavam a rigorosamente nada e queriam era só estudar, alguns quantos que
subiram nas estruturas do regime de então e muito poucos que até deram
informações à PIDE sobre actividades da Casa e algumas pessoas foram presas por
isso!
Sobre a CEI já muito se disse, e
já há muita publicação, mas convém dizer que a gente da CEI, que optou por “dar
o salto” foi sempre olhada com muita desconfiança no seio do “maquis” por
razões que se percebem. Afinal eram os privilegiados, porque podiam ter
estudado, enquanto outros eram os “condenados da terra” de que falava Fanon.
Se esta situação já era
complicada nos tempos da luta de libertação, ela tornou-se “silenciosamente
visível “nos primeiros anos de independência, onde perante algumas posições de
algum oportunismo, o argumento de que “andavas na CEI a divertir-te enquanto
outros comeram o pão que o diabo amassou” era quase chamar pequeno-burguês com
mentalidade colonialista.
Hoje as coisas já não estão tão
extremadas e este quase sinete da CEI já pouca gente utiliza, porque a maioria
dos frequentadores da Casa ou já morreram ou já estão com uma provecta idade, e
aos filhos não lhes foi transmitida grande parte desta situação que existiu ao
longo dos primeiros vinte anos da nossa independência.
Ao dizê-lo hoje, faço-o com a
convicção que foi defenestrada gente porque esteve na CEI, porque a opção,
oportunista na maior parte dos casos, em determinado contexto era a do
operário-camponês na direcção de estruturas políticas e económicas, e depois
resultou no que vimos em determinada altura.
Ainda vamos a tempo de dar valor
a essa juventude que na CEI sonhou o futuro, e que afinal vai dizendo “não foi
isto que se combinou”!
Fernando Pereira
26/11/2022
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