30 de dezembro de 2010

FINALMENTE!/ Ágora/ Novo Jornal / Luanda/ 31-12-2010




Uma situação recorrente em Angola é o recurso ao insulto personalizado, o que é perfeitamente justificado pelo facto de não ter havido em Angola, no colonialismo e no tempo que levamos de independência, um espaço que “dessubjectivasse” o discurso, uma circunstancia que é responsável por fazer descambar a crítica ou para o insulto pessoal ou para o “elogio sobrevalorizante”.

Sou suspeito em falar dos que comigo partilham semanalmente este projecto do NJ, mas acho que seria a maior injustiça que ignorasse a outorga do Prémio Nacional de Imprensa 2010, na categoria de jornalismo, ao Gustavo Costa. Deveria ter feito uma prévia declaração de interesses pois sou amigo pessoal do Gustavo há muitos anos, o que provavelmente me deixa em maior dificuldade para falar dele.

Julgo que há muito o merecia pela frontalidade das suas posições, coerência das suas referências, acutilância das suas crónicas, que nem sempre concordo, e acima de tudo pela forma honesta como encarou a sua profissão, num quotidiano de pressões, insinuações torpes e ameaças. A atribuição deste prémio ao Gustavo Costa e outros sinais positivos no quotidiano da comunicação social em Angola, mostram que há uma diferente vontade política de dar um rumo mais assertivo à informação em Angola, e permitir-se dignificar a função dos que informam e opinam em liberdade.

Entre os presentes do dia da família, para além de uns destilados comuns, o que revela alguma falta de inspiração de quem oferece, recebi um livro que vou ler até à exaustão, como se pode dizer, que foi o livro do arquitecto Francisco Castro Rodrigues, “Um cesto de cerejas”, editado pela “Casa da Achada”. Já há muito que quero fazer um artigo sobre este verdadeiro artífice do Lobito moderno que conhecemos, combatente pela liberdade, fundador e dirigente da Associação 25 de Abril em Luanda, e prometo-o para breve recorrendo ao excelente trabalho de Ana Magalhães e Inês Gonçalves, “ Moderno Tropical”, livro que já neste espaço teci rasgados encómios, assim como ao livro de José Manuel Fernandes e outros, “Angola no século XX- Cidades, Territórios e Arquitecturas” (2010) Ed: Maria de Lurdes Serra, um trabalho bastante bom embora polvilhado aqui e ali com alguns erros, que apesar de tudo não retiram algum interesse à obra.

Já que se fala em livros que afinal são as prendas que mais recebo, alerto desde já para evitar tanto quanto possível o “ Em Paz por terras de Angola” (2010), de Jean Charles Pinheira, editado por uma tal editora Zebra. Graficamente o livro até me pareceu interessante e as imagens são apelativas, contudo os textos são francamente maus, e as legendas das fotos completamente descontextualizadas, o que só justifica que por vezes bons embrulhos trazem maus produtos.

Estamos no fim do primeiro decénio do século XXI e a realidade com que nos vamos confrontando é seguramente melhor que no fim do séculoXX, apesar do caminho percorrido ainda ser pequeno para o muito a percorrer para o desejável, mas nunca contentável, o que mostra determinação na comunidade no construir um futuro melhorado para todos.

Para todos os que com muita paciência me vão lendo um Bom 2011.

Fernando Pereira 28/12/2012

26 de dezembro de 2010

Despresépiamente no Natal! / Ágora/ Novo Jornal / Luanda /24-12-2010



O que vou contar é uma história simples de Natal condimentada com outros pormenores, verosímil mas por razões perceptíveis vou omitir o nome do meu amigo, figura central da história.


Esse amigo era assistente numa Universidade Portuguesa quando Angola ascende à independência. Nasceu numa qualquer terra onde passava o CFB onde seu pai trabalhava, estudou no Diogo Cão e foi estudar para Portugal nos anos sessenta, tendo participado activamente em greves académicas e nalgumas actividades de apoio à luta dos povos das colónias em África. Essas actividades foram-lhe valendo alguns dissabores, no seu meio familiar tradicional e católico assim como na sua progressão académica.

Regressa a Angola, começa a dar aulas com entusiasmo na Universidade de Angola, depois Agostinho Neto, e com igual arrojo vai arranjando namoros que não raras vezes acabam em dramas dignos de enredos de faca e alguidar.

Às páginas tantas, a mulher que tinha deixado em Portugal resolve ir a Angola, para preparar uma futura instalação, junto do marido que contava maravilhas da terra e da revolução, hoje infelizmente esquecida.

O meu amigo ficou em transe quando soube essa notícia mas passada a surpresa inicial e como não era muito de se enrascar, resolveu pedir a um amigo num apartamento onde raras vezes chegava água, num sexto andar sem elevador e como era um tempo em que não havia muitos geradores a luz em casa ficava ao arbítrio das recorrentes avarias da EDEL. Importa dizer que normalmente vivia num prédio da universidade ali para os lados do Kinaxixe, que ia tendo tudo a funcionar, com as limitações inerentes a uma Luanda de dificuldades eternamente acrescidas.

No dia antes do dia aprazado para a chegada da esposa, dispensou a cozinheira, e despejou a despensa, o que ao tempo era quase um crime que eu próprio beneficiei.

Neste plano maquiavélico entre várias vicissitudes, obrigou a senhora a estar nas filas dos restaurantes: Xenu, D. Andreia, Panqué, Instanta, Pims, Garfo, Mexicana, Polo Norte, e outros que tinham como denominador comum terem o carapau ou peixe-espada frita (vulgo cinturão de FAPLA) com o arroz ou esparguete, acompanhado por uns “búlgaros” de cerveja, e muita falta de higiene à mistura. Ao fim do dia a senhora estava derreada, pois estar numa fila calcorrear a cidade a pé porque o trabalho do consorte urgia, ou fazia que isso sucedesse, em plena canícula de Fevereiro, era situação que ela estava longe de encontrar quando se dispôs a vir a Luanda.

Foram muitas as peripécias mas a cereja no topo do bolo foram as idas à praia tendo ele escolhido a praia do Cacuaco, um vazadouro de petróleo e de caranguejos, motivando o desabafado com certas pessoas, que “as praias de Angola eram tão elogiadas, mas sendo esta a melhor, imagino as outras”, o que levou muitos a reprimir o riso perante os sinais do meu amigo, que quase nos obrigou a determinado tipo de reprováveis cumplicidades.

A verdade é que o objectivo foi plenamente conseguido e a senhora embarcou para Portugal, sem vontade de regressar a Angola, e lá acabou por se separar numa “cerimónia” inenarrável.

Fui passar o que em tempos se chamou Natal, depois “Dia da Família” e Natal de novo, ao Uíje nesse ano de 1980, onde esse meu amigo arranjou uma namorada horrorosa, que não valia uma ida de 12 metros, quanto mais uma viagem de ida e volta de 1200km. Quando me apresentou a “princesa”, veio-me à lembrança a frase de Vinicius de Morais: “Beleza não se come à mesa, mas que me desculpem as feias, eu também não como no chão”.

O Uíje era a parvónia que bem conheci no tempo colonial, com a vantagem de ter perdido alguns “besugos”, armados em ricos, o que tornava a cidade mais respirável. Na “ceia” por ironia do destino na casa que tinha sido habitada por um familiar meu onde já tinha passado outras consoadas em tempos idos, foi nosso parceiro um indivíduo que nunca intervalou na bebedeira. Quando cheguei estava odre, assim se manteve, e assim o deixei três dias depois. Quando voltei ao Uije e o encontrei, dei-lhe a notícia que tinha passado o Natal anterior com ele, pois ele não se lembrava de rigorosamente nada; Soube há anos que tinha morrido de mais que previsíveis complicações hepáticas.

Fico a aguardar as palavras de circunstancia, normalmente repetidas de vários dignitários de cargos políticos e religiosos só quero desejar Festas Felizes, principalmente a quem pacientemente me vai lendo neste espaço.

Fernando Pereira

18/12/2010

17 de dezembro de 2010

Crónica Molengona / Ágora / Novo Jornal / Luanda 18-12-2012



Uma das mais fascinantes obras do cinema documental é Olympia 1. Teil - Fest der Völker, Ídolos do estádio, filme de propaganda de 1938 de Leni Riefenstahl (1902-2003) documentando os Jogos Olímpicos de Verão de 1936, em Berlim.


Durante cerca de aproximadamente duas horas, assistimos à verdadeira montagem que Hitler e o nazismo fizeram de uns Jogos Olímpicos que procuravam exaltar os valores da superioridade da raça ariana. Apesar dos ângulos de multidão focarem primordialmente as manifestações nazis no estádio olímpico de Berlim, a forma como Riefenstahl mostra os corpos dos atletas “não arianos”, e as expressões de Hitler quando da vitória do afro-americano Jesse Owens, são motivo de alguma tolerância para uma simpatizante nazi, mas que acima de tudo era exigente nos conteúdos e nas técnicas empregues.

A técnica empregue nesse filme, foi tão inovadora que ainda hoje faz escola nas imagens das transmissões televisivas de eventos desportivos.

Leni Riefenstahl, passou uma boa parte da sua longa vida a fazer fotografia, dando-nos belíssimos trabalhos recolhidos em tribos do Sudão. Aos oitenta anos passou a dedicar-se à fotografia submarina e a filmes sobre a vida aquática, tendo estreado quando fez cem anos, o filme “Impressões subaquáticas”.

Quem me levou a conhecer Riefenstahl foi o professor José Esteves, hoje com mais de noventa anos e ao que julgo saber ainda com a lucidez suficiente para acompanhar alguns profissionais de Educação Física que com ele almoçam regularmente, onde encontramos os nossos conhecidos professores António Sousa Santos e Carlos Gonçalves, entre outros.

José Esteves em 1970 inaugurou uma colecção de história e sociologia do desporto da Prelo Editora com “O Desporto e as Estruturas Sociais” , ainda hoje uma obra obrigatória para a compreensão do que foram os anos da ditadura e do colonialismo na educação física e desporto escolar e federado. Já no fim da década de setenta publica pela Básica Editora o livro “Racismo e Desporto”, documento onde se denuncia a sordidez do espectáculo desportivo e a exploração que incide nos atletas, particularmente nos “favelados” do mundo, explorados por uma máquina que trucida valores ou regras minimamente aceitáveis.

Tentei enquanto primeiro director do CNDI da Secretaria de Estado dos Desportos da RPA, divulgar estes textos, promovendo até o piratear de alguns excertos das suas obras, bem como a de outros autores como Manuel Sérgio, Noronha Feio, Melo de Carvalho, Teotónio Lima, admitindo o meu tremendo insucesso.

José Esteves foi nos anos cinquenta “desterrado” para o Liceu Salvador Correia, por motivos de ordem política, onde conviveu com alguns alunos que entretanto optaram por ir para a guerrilha na luta pela independência de Angola. Também em Luanda foi incomodado, porque era incómodo e ei-lo de novo devolvido ao Liceu D. João III em Coimbra onde estava colocado antes da sua “campanha africana”.

Figura prestigiada no universo da educação física, no contexto histórico e sociológico, José Esteves, merecia que eu me lembrasse dele, porque ajudou-me a ver o desporto com outros olhos nos mesmos óculos.

Acabei de ler o livro do jovem investigador Fernando Tavares Pimenta, “Portugal e o Seculo XX – Estado-Império e Descolonização (1890-1975), editado pela Afrontamento (5-2010). Fernando Pimenta tem merecido neste espaço um reconhecimento da excelência do trabalho de investigação que faz sobre Angola, de uma pessoa que não conhece, nem tem qualquer tipo de ligação ao território, a não ser fazer trabalhos universitários cientificamente valorosos em que o tema é o nosso País.

Este livro é diferente no que li nas três obras anteriores já publicadas, mas penso ser interessante, e de linguagem acessível sobre alguns períodos “penumbrosos” da história contemporânea comum de Angola e Portugal.

Bom Dia da Família a todos vós!

Fernando Pereira

13/12/2010





10 de dezembro de 2010

Senhor Governador da Provincia de Luanda/ Ágora/ Novo Jornal/ Luanda / 10/12/ "010




Desculpar-me à dirigir-me a si, nesta carta entreaberta, pouco tempo depois de ter sido empossado como o 16º governador da província de Luanda desde a independência, mas como começo a raiar o ensandecido com tantos estudos, soluções, projectos, discussões, e muitos milhões a desbaratar, apetece-me também dizer alguma coisinha!
Nasci em Luanda, em meados dos anos cinquenta, para ser mais preciso, quando acabou o comboio que atravessava a cidade desde o Bungo até perto do aeroporto velho.
Como a minha família era da burguesia colonial, nasci num quartinho virado para o Alto das Cruzes, na ex-casa de Saúde de Luanda, hoje Augusto Ngangula. Isto, faz-me lembrar uma certa gente que estava disposta a “partir os dentes à burguesia”, mas que pelos vistos deixou os maxilares em bom estado, pois hoje vêem-se muitos implantes e dentaduras em muitas reminiscências e tiques de outros tempos.
Conta-se que quando nasci e o Braga se transformou em Bairro do Café, havia um governador que marcava as ruas com riscos feitos na terra com a ponta do chapéu-de-chuva, o que deve ser verdade, pois o traçado de certas calçadas não lembravam a qualquer topógrafo com o teodolito avariado.
Vi a cidade crescer de camartelo em riste para destruir a zona comercial, em frente ao antigo porto pesqueiro, para construir o prédio do BCA (hoje BCP), e mais uns arremedos arquitectónicos do tipo. Essa saga destruidora não tem parado, com o intervalo dos anos da independência e seguintes a deixarem uma réstia de expectativa sobre a preservação do património edificado.
Desculpe este arrazoado, mas quando penso Luanda tenho muito medo da xenofilia, porque quem deve construir a alma da cidade são os que amam a cidade, tendo sido nascidos nela ou adoptando-a. Mas perante o que vejo acho que ninguém mesmo gosta desta cidade, e cada vez mais preferem o “quatro de Fevereiro” de Belas, ao “quatro de Fevereiro” onde presumivelmente o dinheiro devia ser trabalhado.
As cidades tem que ter alma própria, tem que ter um centro cívico onde as pessoas sintam como um lugar por onde foi passando não apenas a história da cidade, mas onde se faz a história de muita gente, e onde se constroem histórias. Cada esquina desse local é bom ou mau porque aconteceu algo que nos marcou, e Luanda não mantém rigorosamente nada disto.
Luanda não tem jardins, e os poucos que restam só são embelezados para que se vejam, e não para as pessoas poderem fruir num lazer, cada vez mais passado sobre quatro rodas, no meio de um coro de buzinadelas e com a pituitária cada vez mais insensível aos odores do óleo queimado, dos esgotos, de lixos e águas estagnadas.
Houve um governador colonial que perante a exiguidade de espaços verdes na cidade, disse que Luanda não precisava de verdura pública, porque todas as moradias tinham jardins e árvores e a cidade estava cheia de árvores na rua. Esta estulta opinião ao tempo, parece ser a desejável hoje, porque os jardins foram substituídos por depósitos de água, gasóleo e geradores; As árvores das ruas e estradas são cortadas para diminuir os passeios para dar novas oportunidades a que mais viaturas possam ficar no engarrafamento.
Luanda, não tem passeios decentes para quem gosta de andar nas cidades a pé, não tem espaços para nos sentarmos a ver quem passa, e largos com esplanadas onde possamos fruir de um espaço livre de buzinas, tubos de escape e ruídos atordoantes.
A cidade é insegura, mas a noção de insegurança em Luanda é de certa forma pervertida, porque são os cidadãos que a tornam insegura, quando se sente a cidade apenas na parte de dentro de cada um dos quintais ou apartamentos. Quando se perde a consciência da cidade enquanto colectivo, perde-se segurança para tudo, e é esse é o cerne do problema.
A ilha tornou-se um pechisbeque de luxo, com praias sujas e água demasiado acastanhada, para que possa ser o ex-líbris de uma cidade que não tem a garridice, os sabores e o gingar de muitas capitais africanas, nem tampouco nada parecido com o seu alter-ego : A Disneylandia dos adultos, o Dubai.
Sei que não vai conseguir mudar o que muitos estragaram, e seguramente não foram os seus antecessores, incluindo os do tempo colonial, que nalguns casos nem para administradores de condomínio serviriam, mas só lhe posso desejar que procure devolver a alma à cidade, ou melhor encontre-a que já é meio caminho andado, para que a cidade lhe fique reconhecida.


Fernando Pereira
6/12/2010

Portugal exige ser descolonizado!/ Jornal O Interior/ 10/12/2010



Como é comum dizer: “ele há coisas que não lembram nem ao menino Jesus”!


O eternamente putativo rei, Duarte Nuno, com mais uma imensidão de nomes de permeio, pai do príncipe da Beira, resolveu pedir a nacionalidade timorense. Aquele território, que já aturou corsários, portugueses, japoneses, indonésios e alguns timorenses de jaez duvidosa, acaba por levar com mais esta encomenda. Há povos que mereciam um pouco de tranquilidade e felicidade, mas não conseguem ter sorte nenhuma.

Outra figura de opereta que vai andando por aí Pedro Santana Lopes de seu nome, exigiu na TVI “que a senhora Merkel se defina uma vez por todas em relação ao projecto europeu”. Convenhamos que isto, antes de um conselho europeu, uma reunião do G-20 e uma cimeira da NATO, deve ter caído que nem uma bomba! A realidade é que a Senhora Merkel deve andar aflita q.b., pois ainda não respondeu a esta exigência do “inefável” Lopes.

Esta semana, o cada vez mais pesado Carlos César resolveu deliberar que os funcionários públicos nos Açores não seriam penalizados no ano de 2011, contrariando o preceituado no Orçamento Geral de Estado, e afirmando que “não iria ser necessário recorrer a verba nenhuma que onerasse o orçamento da região”. Acho que os tipos das ilhas andam há muito a gozar com os continentais, curiosamente com o beneplácito de todos os governantes, quer eles sejam do partido da direita da direita ou da esquerda da direita, vulgo do “Centrão”.

Já não me apetece falar dos dislates do Jardim, e cada vez menos quero saber do César que, mais discreto, não deixa de tratar dos seus servos da gleba açorianos, protegendo-os da “ira” dos continentais.

É tempo de Portugal se cumprir, como dizia o poeta, e descolonizar-se destas “regiões” autónomas que usam e abusam da paciência do continente, e acima de tudo à custa do erário público. Portugal, julgo que merece libertar-se dos Açores e da Madeira, e já bastaria de vez em quando encontrá-los nas reuniões da CPLP.

Talvez depois desta “varridela” Portugal consiga arrumar a casa e não ande a perder tempo com vitualhas políticas e eticamente intragáveis.

Com um pouco de sorte, o rei D. Nuno é capaz de pedir para ser cidadão dessas regiões, o que as populações locais merecem por manterem no poder gente com determinadas características e idiossincrasias a raiar a ” idiotacracia”.

Desculpem, mas fico um pouco irritado com o discurso dos coitadinhos, vítimas da insularidade, quando no início do ano vão começar a coroar a A23 e a A25 com uns pórticos para pagarmos o que eles nunca pagarão!

De pé, oh vítimas da interioridade!

Fernando Pereira

4/12/2010

3 de dezembro de 2010

“Primeiro estranha-se depois entranha-se !” / Ágora/ Novo Jornal / Luanda / 3-12-2010






Ocasionalmente, vamo-nos lembrando que a toponímia da cidade de Luanda, ter-se-á transformado num Nó Górdio que não será fácil de desatar nos tempos mais próximos.


Fez no pretérito 30 de Novembro, sessenta e cinco anos que morreu, provavelmente o maior poeta da língua portuguesa, Fernando Pessoa. Um génio, que perpassou fugazmente o eterno cinzentismo do País, e que entre absintos, aguardentes copos de “três vinténs”,estados de prostração emocional, deixou um património literário inolvidável, em todas as latitudes onde os enormes poetas são glorificados quase ao nível do Olimpo na Grécia antiga.

Narcisista, misógino, fechado consigo próprio, fisicamente franzino, talvez bipolar, tez quase transparente, invariavelmente vestido de preto, com hábitos de vida e com vícios bem definidos, Fernando Pessoa, é o orgulho da “língua portuguesa”, e o seu legado é trabalhado por cada vez mais sábios em instituições internacionais.

Profundamente criticado pelos neo-realistas, avultando a crítica de Álvaro Cunhal no seu livro “A Arte, o Artista e a Sociedade”(1996), editado pela Caminho, sobre a sua indiferença perante a luta do povo de Portugal e colónias contra Salazar, em que Pessoa é acusado de “ refugiar a sua obra no individualismo, ignorando as massas, e os escritores que as entusiasmavam para a luta com uma poesia mais combativa”.

Nunca partilhei esta ideia de Cunhal, e dos neo-realistas, pois Fernando Pessoa é só um dos maiores poetas da nossa língua comum e da poesia universal.

Luanda, teve uma rua com o nome de Fernando Pessoa, no Bairro da Vila Alice, numa transversal da Hoji-ya-Henda, e que fazia a ligação à rua da Casa 70. Actualmente essa rua chama-se A. Carreira, sem que se saiba quem foi a insigne figura, que teve a honra de substituir um dos poetas maiores da literatura europeia. Admito que foi alguém com alguma importância para ter nome de rua, mas confesso a minha ignorância, partilhada por muitos luandenses a quem perguntei quem era este Carreira.

Nesse bairro foram mantidos os nomes de Almeida Garrett, António Feijó, Antero Quental, Machado de Castro, António Feliciano de Castilho e outros poetas portugueses, que nem grande expressão tem nas suas terras, quanto mais para figurarem nas pracetas da capital de Angola. Fernando Pessoa “tramou-se”, já que o seu nome estava associado a uma rua grande. Se fosse uma esconsa praceta tinha sobrevivido, e o seu lugar obrigatório na toponímia de Luanda ter-se-ia mantido.

O que não deixa de ser no mínimo surreal, é que a Rua Bula Matadi, é partilhada em metade da sua extensão pelo General João de Almeida, o herói da “Pacificação dos Dembos”, um jarrão colonialista, digno de um lugar de relevo junto de algumas estátuas que jazem na fortaleza, como símbolos fechados de um tempo que passou!

Convenhamos que Luanda tem uma natureza idiossincrática interessante, e se começarmos na toponímia, ficamos estarrecidos. Na verdade, eu conheci Novo Redondo, Ngunza e Sumbe, por razões que nunca entendi muito bem, pelo que as circunstancias que afectam a cidade capital, exportam-se para o resto do território.

Não gostava de omitir a efeméride que comemora o falecimento do genial Pessoa, que numa penada só, enterrou-se a si e aos seus heterónimos (Ricardo Reis, Alberto Caeiro e Álvaro Campos) e o seu ortónimo (Bernardo Soares).

Em jeito de curiosidade, quando a Coca-cola se tentou implantar em Portugal, houve um concurso para uma frase publicitária, que definisse a bebida, e a que foi escolhida foi a de Fernando Pessoa: “Coca-cola, primeiro estranha-se depois entranha-se”!

O crítico literário Harold Bloom considerou a obra o "legado da língua portuguesa ao mundo".

Luanda podia timidamente devolver o nome da rua ao Fernando Pessoa, e ali perto, acabar com a de João de Almeida, que indiscutivelmente avilta o orgulho dos angolanos.



Fernando Pereira

28/11/2010
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