13 de setembro de 2008

CHOVE EM SANTIAGO / ÁGORA /NOVO JORNAL/ LUANDA 12/9/08





CHOVE EM SANTIAGO

"Eu não vejo porque nós temos de esperar e olhar um país tornar-se comunista, devido a irresponsabilidade de seu povo". Henry Kissinger, laureado com o Prémio Nobel da paz em 1973, dizia a justificar a “operação Condor”, nome da sinistra movimentação de conluio entre as ditaduras da América latina e os EUA governado por Nixon, e que levou à queda de Salvador Allende no Chile.
Neste 11 de Setembro de 2008, comemoram-se trinta e cinco anos do golpe de Pinochet, e comemoram-se sete anos sobre um atentado que ainda hoje deixa no ar uma série de especulações, e daí aguardar por ulteriores dados, para provavelmente arriscar a ter uma opinião mais fundamentada.
Porque em 11 de Setembro de 1973, o golpe foi instigado, preparado e prontamente reconhecido como inevitável pelos EUA, que eram o “eixo bom” contra o “eixo do mal” do tal “povo irresponsável”, foi este mesmo “eixo do bem”, vítima vinte e quase trinta anos depois, de um ataque soes do “eixo do mal”.
Esta lógica é perturbante, quando alterada a geopolítica do mundo, o “eixo do bem”, é sempre o mesmo, e o “eixo do mal” todos os que estão em desacordo, ou que afrontem os desígnios e interesses dos que como E.Wilson dizia: “O que é bom para a General Motors é bom para os EUA”, por exemplo.
Porque acho que se há 11 de Setembro que efectivamente me marca, é indiscutivelmente o de 1973, porque não foi apenas a tenacidade de um grande militante de causas que desapareceu, Salvador Allende, mas acima de tudo a traição a um povo inteiro, que se engajou num projecto colectivo de transformar o Chile numa democracia política e económica plena.
Allende (1908-1973) era um médico, que perdeu as eleições em 1964, e que em 1970, foi o primeiro presidente marxista a ser eleito em toda a América, depois de ter tido um percurso político como ministro e deputado. A vitória da Frente de Unidade Popular é de 36%, e cedo começam os boicotes, tendentes a impedir que projectos de grandes reformas, como a agrária, e as nacionalizações de grandes grupos mineiros pertença de companhias estado-unidenses, pudessem ser levadas a cabo.
A firmeza democrática de Salvador Allende, possibilitou que a imprensa, maioritariamente controlada pela direita afecta ao “internacionalismo monetário”, fizesse a sua campanha de desgaste, com a ajuda de uma igreja católica, que foi no golpe de Pinochet decapitada de alguns críticos, que embora não gostando de Allende, não conseguiram pactuar com o terror instalado.
Quando a frase “ Chove em Santiago” (título de um filme de Helvio Soto de 1975) foi ouvida, todos sabiam que o golpe de estado que pairava no ar estava em desenvolvimento. No palácio de “La Moneda”, Allende e uns fiéis entrincheiraram-se, resistiram até onde foi possível (muito bem retratado num magnífico filme de Patrício Guzman, “ A Batalha do Chile”) e onde foram difundidas as suas ultimas palavras: "Trabalhadores de minha Pátria, tenho fé no Chile e seu destino. Superarão outros homens este momento cinzento e amargo em que a traição pretende impor-se. Saibam que, antes do que se pensa, de novo se abrirão as grandes alamedas por onde passará o homem livre, para construir uma sociedade melhor. (...) E lhes digo que tenho a certeza de que a semente que entregamos à consciência digna de milhares e milhares de chilenos, não poderá ser ceifada definitivamente. [Eles] têm a força, poderão nos avassalar, mas não se detém os processos sociais nem com o crime nem com a força. A história é nossa e a fazem os povos.".
Cumpriu-se este ano o centenário do nascimento de Salvador Allende, como se cumpre trinta e cinco do seu assassinato, curiosamente no mesmo dia em que com pompa e circunstancia se inaugurava em Nova Iorque o World Trade Center, que num outro 11 de Setembro (2001) haveria de colapsar, perante um atentado de contornos ainda pouco esclarecidos.
Porque Angola foi lugar de acolhimento de muitos chilenos, que conseguiram fugir à bestialidade de Pinochet e seus algozes de confiança, é-me particularmente grato fazer esta referencia a “um homem a quem as alamedas da história estarão sempre abertas”, como bem diz o notável escritor chileno, também um refugiado, Luís Sepúlveda, que recomendo a leitura da sua excelente obra.
Nesse Chile onde se assassinou a esmo, em 22 de Setembro de 1973, morre também Pablo Neruda, um poeta que não aguentou o sangramento da sua terra.
Nunca esta frase de Brecht foi tão assertiva: “Quando o povo não serve, muda-se o povo”
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