27 de fevereiro de 2011

As redes não servem só para pescar!/ Ágora/ Novo Jornal / Luanda / 26-2-2011



Para quê conquistar mercados para os produtos



que os operários fabricam?


Os operários


ficariam com eles de bom grado.

(Bertold Brecht in “Cartilha de Guerra alemã”)



Bertold Brecht apesar de ser nosso contemporâneo, nunca ousaria pensar que o mundo iria mudar por causa de uma coisa que haveria de surgir pouco mais de cinquenta anos da sua morte, as “redes sociais”, senão nunca surgiria este poema.

Admito que o Facebook e o Twitter acabaram por dar alguma dose de satisfação a Lenine e a Trotsky, principalmente a este ultimo sobre alguma similitude com a “revolução permanente”.

“Ortega Y Gasset” diria provavelmente hoje nós somos nós, as circunstancias e as redes sociais ou como escreveria Agustina Bessa Luis: tudo se cria, tudo se transforma, tudo se recria, tudo se estropia, tudo está em rede!

Eu não sou um adepto confesso das redes sociais, embora participe como milhões de cidadãos, empresas, instituições, clubes, associações, etc. no quotidiano do Facebook e Twitter, onde cada vez mais vou perdendo algum tempo e ganhando alguns conhecimentos de pessoas interessantes, que eu nem sabia que existiam (elas também não sabiam que eu existia!) e temas em discussão que abriram novos mundos ao mundo no domínio do saber e das ideias.

Percebo que as redes sociais para certas pessoas funciona quase como uma catarse, pois acaba por ser o único local onde as pessoas são elogiadas, quer pelas suas frases, pela banalidade de uma citação de algum idiota, por uma música que anda não se ouvia há anos, pelas suas fotos de petiz ou pelas fotos onde a família aparece bela e radiante, como se estivessem a fazer algum reclame à Colgate ou à Kolinos.

O Facebook, que tem extraordinárias virtualidades, é hoje um complemento de muita coisa que muitos nunca ousaram fazer, e isso tem transformado paradigmas de vivencias que exigem uma atenção maior para este fenómeno que há muito ultrapassou o emergente.

As alterações sociais que se tem vindo a verificar um pouco por todo o lado, e Trotsky vai-se rindo na sua cara angulosa com os seu óculos redondinhos, mostram qual a importância da internet e acima de tudo das redes sociais na mobilização para o engajamento em causas e transportá-las para a luta por novas afirmações ideológicas.

Independentemente de milhões de pessoas terem começado a construir quintas, cafés e outros negócios sem se levantarem da cadeira, a realidade é que este fenómeno mereceria estudos detalhados, pois o acesso à internet generalizou-se e com velocidades ou tecnologia diferente e o jovem de Ouagadougu , Akra, Tripoli, Hong Kong, New Jersey, Luanda, Paris, tem acesso a toda a informação, e quando a cortam por necessidade de limitar o acesso ao saber, as pessoas reagem com indignação e agrupadas podem ser casos sérios para os poderes, como se está a provar quotidianamente nos tempos que passamos.

Não vem muito longe os tempos em que escutávamos o serviço da BBC para África, a DW, a Voz da América para sabermos coisas que TPAs, RNAs e outros órgãos de informação não davam por “avaliações meramente de opção informativa”.

O que se está a passar no mundo árabe, em que as ditaduras oligárquicas, as timocracias e as monarquias despóticas prevalecem sentadas na impunidade que a gestão do petróleo lhes permite, com a subserviência cínica dos países industrializados, é um fenómeno interessante mas de contornos ainda pouco claros, porque o entusiasmo inicial nestas revoluções leva muitas vezes ao poder novas e piores formas de governação e ideologicamente mais radicais que a situação que foi existindo. Vamos ver o que vai dar tudo isto, porque a verdade é que para pior já basta assim!

Para não dizerem que só falo de política, vou dar uma volta ao universo do Facebook, e a realidade é como diria Fernando Pessoa. “Primeiro estranha-se depois entranha-se”frase que ganhou o anuncio para a Coca-cola em Portugal, que só conseguiu entrar no hábito dos portugueses depois do 25 de Abril de 1974.

Nunca tantos cultivaram tanto através de quintas, nem milhões imaginaram que um dia iriam ser proprietários de um café ou outros jogos bizarros que só faz aumentar a proeminência ventral e a celulite nas pernas, e convenhamos pouco se aprende para o numero de horas que as pessoas passam em frente ao PC em casa ou no serviço, sendo um dos factores de absentismo já considerável em determinados países que contabilizam isso, algo que apesar de tudo ainda não acontece em Angola.

Pedem-me amizade, e aqui de facto começa a minhas justificadas reservas, porque “Amigo é coisa para se guardar, No lado esquerdo do peito”, como diz a canção de Milton Nascimento, e não para ser amigo de alguns cromos que não conheço de lado algum e que me pedem amizade. Lá vou aceitando, porque o critério na internet também não deve ser tão limitativo, mas de facto começo a sentir que apesar das múltiplas vantagens das redes sociais há demasiados absurdos, e cada vez me apetece menos partilhar alguma da minha privacidade, e também algumas ideias com gente que mostra fotos de há trinta anos, ou um quarto da cara, ou exacerba-se em tiques de narcisismo, que nalguns casos talvez sejam patológicos.

A sorte disto tudo é que a malta mais nova já utiliza isto para coisas com mais interesse, e a esperança é que neste mundo a informação vai ser a primeira grande conquista ao nível global, e a convicção que tenho é que a geração até aos trinta vai ser seguramente melhor que a nossa!



Fernando Pereira

22/2/2011
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