31 de dezembro de 2008

Cuba elevada a 50! / Novo Jornal / Luanda 31-12-08



No recente festival de cinema de Havana, um dos mais prestigiados eventos culturais da América latina, os filmes de Steven Sordebergh, “Che, el argentino” e “El guerrillero”, em que o actor porto-riquenho Benicio del Toro protagonizou a figura de Che Guevara, e em que Rodrigo Santoro faz de Raul de Castro, foram vibrantemente aplaudidos por uma assistência que durante cinco horas viu os filmes em exibição.
Estes dois filmes, tem um particular significado neste cinquentenário do fim da ditadura de Fulgencio Batista, pois conseguem fazer uma abordagem de Che Guevara, num contexto fora da iconografia do regime, e também distante da diabolização que os cubanos exilados nos EUA fazem de Ernesto, Fidel ou Raul. O Granma, jornal cubano, faz um elogio ao filme, o que de certa forma surpreende quem sempre se habituou à imagem estereotipada das figuras da revolução, “deificadas” nas paginas do diário controlado pelo Partido Comunista Cubano.
Ao invés, estes filmes foram objecto de repudio, assumindo alguma violência, por parte dos cubanos de Miami, que viram estas produções como uma “encomenda” por parte do regime para “branquear” estes 50 anos de poder dos “barbudos”.
Quando nasci, já Fidel de Castro lutava contra a ditadura cubana, um Fidel que poderia ter sido um brilhante advogado, idolatrado pelos cubanos como basquetebolista de eleição, educado em colégios de jesuítas, e filho de um galego com algum património, que contrastava com a maioria da população da ilha, miseravelmente paga numa agricultura que beneficiava as grandes companhias açucareiras estado-unidenses.
Para além das fotografias brilhantes da agencia Magnum, e de muitos filmes de televisões americanas, é na saga do Padrinho de Coppola, que ganhou o Óscar na sua versão I e II, que o projectado fim de ano de 1958, ganha uma dimensão universal, e que dá a imagem fiel do que era Cuba nessa altura, um prostíbulo e um casino gigante dos EUA, lugar onde se cruzavam todas as jogadas torpes do crime e do lucro fácil.
Em 1990, num filme de Sidney Pollack, “Havana”, Robert Redford, Lena Olin, Alan Arkin, recria-se a atmosfera desse “reveillon” estragado pela fuga de Batista e a consequente entrada dos “sobreviventes da Sierra Maestra” em Cuba, lideradas por Camilo Cienfuegos, que abre assim caminho à entrada triunfal de Che e Fidel em Havana, em 8 de Janeiro de 1959.
Pela generosidade dos seus protagonistas, pela afronta aos valores de uma América profundamente anti-comunista, muito marcada pela paranóia do Maccartismo, associadas às propostas inovadoras de democratização social e melhoria das condições de vida do povo cubano, a revolução cubana afirmou-se como o período mais marcante para as gerações do pós-guerra no mundo.
Ao longo de todo o meu processo de maturação política, os valores saídos da revolução cubana sempre me foram caros, embora pontualmente discorde de algumas decisões, que abastardaram motivações que na sua essência eram marcadamente solidárias e progressistas.
Não foi a revolução cubana, a aldeia gaulesa criada por Goscinny e Urdezo, nem Fidel e Che foram o Ásterix e Obélix das Caraíbas, porque a realidade é que os guerrilheiros que entraram em Havana naquele longínquo 1958/59, não estavam determinados a mais que devolverem dignidade a seu povo, como até confirmam os seus detratores como Arrabal, Rsendo Canto Hernandez, Guillermo Cabrera Infante, Zoé Valdés e outros.
Cuba foi o primeiro país no mundo que levou a cabo uma campanha de alfabetização generalizada, e conseguiu em cinquenta anos inverter as estatísticas de 87% de analfabetos, para uns residuais 5%, numero só possível em países com economia estabilizada. Desenvolveu um grande programa de saúde, o que lhe permite responder cabalmente à sua população, conseguindo também dar resposta a um numero crescente de solicitações de diferentes países, alguns dos quais a cantarem loas ao seu progresso continuado.
A “ operação Carlota”, que vai caindo no esquecimento dos angolanos, que convenhamos nunca foram muito pródigos em memória colectiva, foi um factor determinante para a independência da então Republica Popular de Angola, e consequente inversão de valores na parte austral do continente. Foi o início de uma ajuda massiva, que já vinha do tempo da luta armada, mas que alguns sectores da nossa sociedade vão desdenhando. Não defendo contudo, a presença cubana na Etiópia, já que a prática do regime de Hailé Mariam foi reprovável em todos os domínios.
Cinquenta anos depois, e socorrendo-me do livro de Ignacio Ramonet,” Fidel de Castro- Biografia a duas vozes”, editado pelo Campo das Letras, só me resta também ficar com as entrelinhas numa frase de Fidel: “ Será que as revoluções estão condenadas a afundarem-se ou será que os homens poderão fazer com que as revoluções se afundem?”
Se me perguntarem se Cuba foi o que sonhava ser algo tipo Utopia de “Thomas Morus”, acho que não, até porque há questões para que nunca obtive respostas óbvias como a existência da a pena de morte, o cercear das liberdades individuais, as prisões discricionárias, e fundamentalmente que me façam sustentar com objectividade a alegada irreversibilidade do socialismo.
Ao fim deste tempo, mantenho pela Cuba revolucionária um grande respeito, como também continuo a defender determinados valores que tem sido mote da revolução cubana, e quando recentemente a especulativa revista americana Forbes, disse que Fidel era a décima fortuna do mundo, e justificava tudo isso com os resultados das empresas estaduais cubanas, ele indignou-se e pediu provas, e nunca mais se falou no assunto, o que prova que Fidel ainda vai tendo a sua importância para os EUA. É algo incrível pois a dimensão, o estado de desenvolvimento, o circunstancialismo social deve ser pesado não numa comparação com os poderosos Estados Unidos, mas com o Haiti, Salvador, Costa Rica, Nicarágua, Panamá e por aí fora num mesmo contexto geográfico e económico.
Neste reveillon de 2008/9 digo que estes cinquenta anos valeram a pena, mesmo que Cuba entre em breve numa nova ordem de economia de mercado e também só mesmo de mercadoria, o que não é o melhor!

Fernando Pereira
29/12/08

24 de dezembro de 2008

Angola, os Brancos e a Independência/ Ágora/ Novo Jornal-Luanda 23/12/08



Desde há um mês que sabia, que o trabalho académico, de alguns anos, de Fernando Tavares Pimenta estava disponível nas livrarias, numa edição da magnífica “Biblioteca das Ciências Sociais”, da Editora Afrontamento.
A obra, “ Angola, os Brancos e a Independência” é o trabalho de tese de doutoramento em História e Civilização, apresentada em Florença em 2007, e surge no contexto de outros trabalhos, já aqui referidos, como os “Brancos de Angola- Autonomismo e Nacionalismo 1900/1961”, editado em 2005 pela Minerva /Coimbra, e outro em que revela a probidade intelectual de Adolfo Maria, no livro da Afrontamento “Angola no percurso de um Nacionalista” (2006).
Esta trabalho recente de Fernando Pimenta, é de um enorme rigor, numa bem conseguida recolha no campo documental e com recurso a muitos depoimentos de pessoas ideologicamente matizadas de forma diferenciada, o que lhe confere uma extraordinária verosimilhança.
Percorre todas as múltiplas tentativas emancipalistas ao longo do século XX, desde as que foram ocorrendo nos primeiros vinte anos do século, particularmente nas disputas entre as proeminentes associações corporativas de colonos de Luanda e do Sul de Angola, onde se destaca a de Benguela, situação que vai sendo repetida ao longo do século até ao eclodir da luta armada.
O colonialismo de Norton de Matos (sobre este assunto, saiu um recomendável livro de Maria Alexandre Dáskalos, editado pela Minerva, muito recentemente), a presença das lojas Maçónicas, as associações comerciais e industriais em determinados contextos de colonos mais arreigados a lutarem por um certo autonomismo, as relações com o clero, nomeadamente Manuel Alves da Cunha e o Cónego Manuel das Neves, a “fermentação” da FUA, a Sociedade Cultural de Angola, a Liga Africana, as edições Imbondeiro, foi tudo escalpelizado neste brilhante trabalho.
A presença de brancos, no contexto dos movimentos de libertação, onde a versão “comicieira” não coincidia com a praxis quotidiana na fase de luta, ou na fase de transição para a independência, merecem uma reflexão cuidada por parte do autor. Não deixa Fernando Pimenta de contextualizar alguns movimentos de brancos, que se foram sucedendo visando a rodezialização de Angola em diversos períodos, nomeadamente nos anos 60, e particularmente nos meses que se seguiram à eclosão do 25 de Abril de 1974 em Portugal.
Seria fastidioso, e provavelmente fautor de opiniões dispares, se viesse para aqui comentar o livro, como uma obra política de circunstancia. A realidade é que estamos perante uma obra académica, de um assunto que merece cuidado, e hoje com cada vez mais actualidade e necessidade de discussão, sustentada por factos concretos, e não por arrufos, êxtases ou oportunismos pontuais.
Este livro não especula, assenta em factos e não será alheio a circunstancia do autor, ser um jovem académico brilhante, nascido em 1980, português, sem relação alguma com África, e que fez uma opção clara no seu percurso de investigação.
Este caso, não é virgem no domínio da história e ciências sociais da língua portuguesa, onde encontramos jovens doutorados, ou investigadores como Cláudia Castelo., Valentim Alexandre e Margarida Calafate Ribeiro entre outros, que com a introdução de novas tecnologias na investigação, com a reabertura de arquivos diversos, e com a distancia física e emocional de acontecimentos, permitem dar-nos um olhar novo, e mais realista de um tempo que vivemos com muito entusiasmo, mas também por vezes com diminuída clarividência.
Ao Fernando Tavares Pimenta, como angolano, tenho de lhe agradecer este excelente contributo que dá ao meu País, porque de facto vem ajudar-nos a discutir identidades e olhares, que por vezes não estamos muito habituados, talvez por força de algo de extraordinário que temos, que é o de sermos sempre desenrascados perante o enrascanço quase permanente, mesmo no nosso convívio quotidiano “amargo e doce”.
Um livro a adquirir com carácter de prioridade.

Fernando Pereira
24/12/08

Ouvi dizer, que há países onde se gasta dinheiro para emagrecer!


Fazer um artigo sobre o ano que passou, por muito mau que o ano tivesse sido, é significativamente melhor que fazer um artigo sobre o ano que aí vem.
O ano de que estamos prestes a ver como passado, vai ser um ano cheio de efemérides daqui por uns anos, e cá estarei seguramente, para as referir se acaso algumas confirmarem, as mudanças prováveis de um futuro próximo.
Dando uma volta por Luanda, continuamos a assistir a mais um ano em que se fala de muita construção civil, mas não se consegue ler, ver ou ouvir em algum lado gente a falar de esgotos, seu tratamento e conservação. Sobre isto lembro-me da irritação de um amigo meu, que era presidente de câmara de uma cidade , que dizia que os “presidentes de junta só falam em enterrar dinheiro, pois pedem sempre esgotos”, ao que ele respondia, “peçam coisas cá para cima, coisas que se vejam, agora esgotos ninguém vê nem dá votos!”
Se conseguirmos que uma pequena parte dos projectos de arquitetura ousem ser construídos, a cidade só conseguirá ser mais feia e insalubre para a vista, e para o habitar das gentes. Continuou-se a imitar o desordenamento urbano colonial, construindo megatéreos envidraçados, verdadeiros atentados ao ambiente, já que nada tem a ver com as características do clima, e com a prodigalidade da exposição solar.
A manter-se o quadro de crise internacional dos fundos, algo que me faz sorrir, pois a maior parte da população mundial viveu sempre com os fundos das panelas vazios, vamos assistir a uma crise sem precedentes, pois tudo o que sucedeu, não foi nada que já nem tivesse acontecido noutras alturas, e sempre Angola se saiu mal desses períodos.
Se fosse nos tempos do “caminhar seguro para o socialismo”, teríamos que arranjar a sigla anual que emulasse as pessoas na “vitória na batalha da produção”, e atrever-me-ia a colocar o “Ano em que estivemos em parte nenhuma”, título de uma obra sobre a experiencia africana de Che Guevara, que poderá ser o que acontecerá a nível mundial no ano de 2009.
A eleição de Barak Obama nos EUAs, tem uma marca de extraordinária relevância no quadro das referencias para o futuro, num mundo onde o racismo tenderá a esbater-se, e a ser cada vez mais desejavelmente uma coisa para a antropologia estudar. Quanto à sua política tenho naturais reservas, pois apesar de algumas boas intenções não vejo meios e condições objectivas para alterar muito nuns EUA, que procuram com políticas diferenciadas, reabilitar a sua imagem de liberdade e de defesa dos direitos do homem, características basilares do seu quadro constitucional.
Vamos deixar 2008, com eleições feitas e em 2009 lá virão outras, que julgo não irão alterar o quadro geral da orientação política do País, e qualquer alteração a nível económico, será sempre ditada pelas vagas sucessivas da maré vazante das economias mundiais.
Escolhi para vos dizer até para o ano a foto do final de “Tempos Modernos”, um filme de Charlie Chaplin, que pode ser premonitório de alguns tempos que aí vem, e que é sobre tempos seguintes ao crash de 1929. Esta cena de Charlie Chaplin e Paulette Goddard no filme de 1936 (Modern Times) é uma das mais emblemáticas da história do cinema.

Fernando Pereira

17/12/08

Quando chegam os reis Magos?



Foi há uns anos na LAC que o meu amigo Orlando Rodrigues, quando confrontado com a pergunta sacramental, sobre o que desejava para os angolanos no Natal, ele terá dito que com os números alarmantes de HIV /SIDA, com a quantidade de desnutridos, com a insegurança, enfim com tudo que eram desgraças era difícil desejar um bom Natal às pessoas.
Óbviamente que o tempo passou, já que isto foi dito num contexto em que já se tinha medo do dia seguinte, em tempos que se dizia que a “Angola de hoje é melhor que a de amanhã e a de depois de amanhã será bem melhor que a de ontem”, mas prevalecem algumas realidades confrangedoras, que me inibem de ser um “natalista” optimista.
Eu não gosto do Natal, melhor não gosto do que comummente é designado pelo “espírito natalício”, um estado de espírito algo esquisito, em que todos sentem que devem fazer uma boa acção, ou um conjunto de boas acções, assim como os seguidores de Baden Powell vão tentando fazer uma vez por dia, como forma de catarse para expiar pecadilhos diversos, feitos durante o ano.
Sinceramente, eu gostava muito mais do “Dia da Família”, dos tempos de um socialismo a caminhar pesadamente para o científico, do que gosto da época do Natal, destes tempos de capitalismo emergentemente pujante e criativamente hipócrita.
Ver uma árvore decorada com enfeites na Assembleia Nacional, é o topo do kitsch que tem sido o quotidiano da Luanda actual, que curiosamente me mereciam comentários do mesmo tipo, que o escritor português António Lobo Antunes fez da sociedade luandense na antecâmara do finar do colonialismo, em livros como “Os cus de Judas”, “ as Naus” ou nas suas cartas de guerra no “D’ este viver aqui neste papel descripto”.
Lembro-me do Natal no Uíge, onde vivi a minha meninice, e recordo-me de ter em casa uma árvore de folhas postiças de plástico, polvilhada de algodão hidrófilo, a tentar ilustrar uma coisa que só muito mais tarde vi, que era a neve, com uma série de penduricalhos a imitarem anjos, camelos e reis magos. Parece que era hábito as coisas postiças, pois nos anos sessenta, uma das coisas que muito dinheiro deu a ganhar a Horácio Roque foram as cabeleiras, com que se passeavam as senhoras da burguesia colonial, nos sítios in da cidade ao tempo, o Clube Naval ou o Clube de Caçadores entre outros lugares badalados.
Podia mesmo continuar aqui a debitar mais um conjunto de argumentos, para mostrar que esta festa de solidariedade tem muito pouco, e que nem a figura do Pai-Natal obeso, com destacada proeminência ventral, contrariando todas as recomendações de nutricionistas e endocrinologistas, consegue transmitir a bonomia generalizada que se pretende da época.
O Pai-Natal, que secundarizou o vetusto “menino Jesus das palhinhas”, foi “usurpado” com grande eficácia para todas as partes envolvidas, a uma globalizada marca de refrigerantes e acabou por fazer entrar o “espírito de Natal” entre judeus, muçulmanos, budistas, agnósticos e por aí fora, ficando apenas para os católicos como S. Nicolau. Um bom negócio para todos!
Como indefectível adepto do FC do Porto e do 1º de Agosto, ouso encerrar um artigo sobre o Natal, com a provocação de que a semelhança entre o Benfica e o Pai Natal é que ambos são vermelhos, aparecem uma vez no ano e só os parvos acreditam neles.
Um Bom Natal a todos que gosto todos os dias!


Fernando Pereira

19 de dezembro de 2008

Jean Depara, percurso de um fotógrafo angolano./ Ágora/ Novo Jornal/ Luanda 19-12-08





Bilbao é provavelmente uma cidade que fica fora de quase todos os circuitos de referencia, para gentes com grande dinamismo para o negócio, para o ócio e acima de tudo para fazerem de beócios.
Faz agora um aninho, que aproveitei um périplo pelo País Basco, e tive oportunidade, melhor dizendo, criei a oportunidade, de ir ver a exposição 100% África no museu Guggenheim, essa verdadeira obra prima de Frank Gehry, que transformou a degradada zona, da decrépita industria metalo-mecânica de Bilbau, num espaço apelativa à modernidade e á fruição dos bilbaínos, em torno de um edificio que será uma obra imorredoira.
Durante seis meses, essa museu acolheu uma exposição de trinta e cinco artistas da África subsaariana que mostraram numa colectiva de artes-plásticas e fotografia, argumentos artísticos que os europeus nunca tinham visto em termos de um conjunto tão diversificado.
Neste edifício, onde acaba por ser difícil as pessoas alhearem-se do espaço criado, por muito que o revisitem, todo o 3º piso foi ocupado por esta exposição, que se deveu a Jean Pigozzi, um suíço, herdeiro dos patrões da Simca, com um misto de profissional e de diletante como fotógrafo, riquíssimo, e que desde 1989 com a colaboração do seu conservador André Magnin, tem adquirido em África tudo o que acha que valorize a sua colecção, que é já a maior colecção de arte contemporânea africana com um acervo de milhares de obras diversas.
Nesta exposição de 25 artistas, que a CAACART da Pigozzi Colection e o Guugenheim de Bilbao deram a conhecer, releva-se o facto de entre algumas obras de alguns desconhecidos, ou menos conhecidos, estarem trabalhos de Abu Bakarr Mansaray, (1970), da Serra Leoa, e Pascale Marthine Tayou (1967) dos Camarões e de Pathy Tshindele (1976) de Kinshasa. Notou-se contudo algum desiquilíbrio pois de Moçambique estava apenas Titos Mabota(1963), da África do Sul apenas Esther Mahlangu (1935) e ninguém de Angola.
Se nas artes plásticas não encontrámos nenhum angolano, já na fotografia encontrámos Jean Depara, que nasceu em 1928 em Kboklolo no norte de Angola, e chega a Kinshasa em 1951, cidade onde acidentalmente pega numa Adox e começa a fotografar, tendo deixado de o fazer apenas quando da sua morte em 1997, na cidade onde se casou e viveu desde o dealbar dos anos 50.
Depara nos trabalhos expostos, mostra a noite em Kinshasa e noutras cidades da RDC, onde há fotos notáveis das rumbas, cha-cha-chas, bem como muitos testemunhos de night-clubs, principalmente onde actuava o cantor “zairense” Franco, tendo nessa altura aberto o estúdio Jean Whisky Depara, onde até ao seu encerramento em 1989, a fotografia a preto e branco testemunhou três décadas da noite congolesa.
Paradoxalmente, as suas fotos só começaram a ser expostas na Europa e em África, depois da sua morte, quando Pigozzi comprou todo o seu acervo.
Era bom que em Angola pudessem ver uma exposição de Jean Depara, nem que fosse só com as fotos que vi no Guggenheim, pelo que creio que há-de haver vontade bastante, para que isso possa ser uma realidade em breve.
Para já o que posso dizer é que na Tate Modern em Londres, e até 31/3/09, Seydou Keitha do Mali tem uma exposição de fotos, que mostram um quotidiano interessante, polvilhado de gentes de Bamako.
Confesso que fiquei maravilhado com o que vi, naquela visita à referencia maior de Bilbao, que é uma das cidades europeias mais equilibradas arquitetónicamente dentro de um conceito de cidade de vale e montanha, e onde se tem desenvolvido ao longo de décadas propostas de urbanismo interessantíssimas.


Fernando Pereira
10/12/08

12 de dezembro de 2008

Cidadão de Luanda / Novo Jornal / Ágora / Luanda 12-12-08





Restam em Luanda muito poucas estátuas, peanhas ou bustos do tempo colonial, teimosamente permanece a de Manuel Alves da Cunha, no jardim fronteiro ao edifício onde funciona a Universidade Católica de Angola.
Monsenhor Alves da Cunha foi uma figura incontornável na sociedade angolana desde que desembarcou nas Portas do Mar em Dezembro de 1901. As Portas do Mar eram o local onde as barcaças atracavam, com os passageiros que vinham em navios que ficavam fundeados na baía, e que era precisamente em frente ao Rialto, ali no largo dos Correios.
Tendo falecido em 1947, Alves da Cunha foi bem a imagem das relações estreitas entre a política e a religião, nos primeiros cinquenta anos do século passado. O Dr. Cunha veio para Luanda como vigário geral de um bispo de nome António Gomes Cardoso, e à morte deste em 1904, foi sendo sucessivamente nomeado pelos bispos que se seguiram, que por contingências diversas permaneciam pouco tempo no lugar, já que quase todos iam morrendo, pois a cidade era lugubremente doentia para certas pessoas que vinham da então metrópole.
Monsenhor Alves da Cunha foi durante 46 anos, um verdadeiro florentino. Contava-se em Luanda, aí pelos anos 30 uma história em que o monsenhor saindo do Paço episcopal, na cidade alta, passava pela estátua de Salvador Correia e parava, olhava para o alto da peanha e dizia: “Oh, Salvador Correia, aqui em Angola só os dois é que não comemos!”.
Alves da Cunha combateu tenazmente a “escravatura”, e foi o dinamizador da presença de Angola, com uma representação valorosa na “ Exposição colonial do Porto” em 1935, onde expôs a sua valiosa exposição etnográfica.
A sua actividade mais relevante foi a criação do Liceu em 1919, uma velha aspiração das forças vivas da colónia, tendo movimentado muitos esforços para se iniciar nesse mesmo ano as aulas, tendo sido ele um dos professores iniciais, não exigindo qualquer contrapartida do seu trabalho.
Foi vereador e vogal da Comissão administrativa de Luanda, entre 1914 e 1936, uma vezes de forma mais ou menos participada, mas sempre empenhado. Foi com Alves da Cunha que se urbanizou a zona do Maculusso e se ordenaram alguns bairros operários, obviamente com a inerente estratificação racial, que o colonialismo sempre desenvolveu como forma de domínio. Foi nessa altura que se começaram a criar estruturas para a municipalização das águas, a construção do matadouro, que era no Kinaxixe, ao lado de um belo edifício dos serviços pecuários, que foi vítima da sanha do camartelo, algo que acontece de tempos a tempos na “nossa cidade capital”, como dizia o saudoso Francisco Simons.
No domínio do saneamento, começou a exigir a construção de fossas sépticas e começou a estrada que ligava junto ao mar, a Samba à baía. Equilibrou as finanças municipais e criou códigos de regulamentos, posturas e emolumentos exigentes.
Foi ele que dinamizou a construção da Igreja e missão de S. Paulo, e era provavelmente a pessoa com maior importância na cidade, a quem muitos se dirigiam para ver satisfeitas algumas das suas pretensões.
Obviamente, que uma personagem deste quilate, na Luanda eternamente mesquinha e nalguns aspectos pacóvia, as histórias sobre Manuel Alves da Cunha abundavam, e esta reflecte bem a importância e a bonomia do homem.: Um rapaz chega a Luanda sem recomendações, e em vão vai procurando emprego.Cansado senta-se na peanha do Salvador Correia, em frente ao Paço Episcopal, e passa um indivíduo que lhe pergunta de onde era; Ele disse que era perto de Aveiro e que queria um emprego, ao que o outro disse, a gozar, para escrever uma carta ao Salvador Correia. O rapaz assim fez, mas lembrou-se que não tinha pedido a direcção e resolveu ir ao sítio onde tinha estado, para perguntar a alguém a direcção da pessoa, que pelos vistos era muito conhecida na terra. Perguntou ao primeiro que viu, a direcção, ao que o interpelado, respondeu que era um tipo de barbas compridas e brancas, que todos os dias passava ali. Apareceu o sacerdote, que coincidia com a descrição, ao que o rapaz perguntou, se ele era Salvador Correia, a que Alves da Cunha disse, que sim, e depois de ler a carta, mandou-o ir no dia seguinte ao Paço, onde lhe indicou o governo geral, onde o empregaram como jardineiro, e lhe disseram que quem ele andava à procura tinha morrido há 360 anos.
Já agora, a estátua está sem algumas letras, pelo que se pede que coloquem as que faltam, ou se tiram as que estão, para que não seja a actual situação motivo de dichotes.
Fernando Pereira 12/12/08

5 de dezembro de 2008

História cruzada/ Ágora/ Novo Jornal/ Luanda 5-12-08



Tem sido recorrentes as queixas, principalmente de sectores desafectos ao MPLA , de serem relegadas para um quase anonimato, ou deturpações premeditadas, a participação de alguns elementos na luta de libertação de Angola, contra o colonialismo português.
Numa leitura cuidada do livro de Samuel Chiwale, “Cruzei-me com a história”, editado pela Sextante em Lisboa (Julho de 2008), fico com a ideia que estou perante o relato, de alguém que poderia dar uma contribuição significativa à luta armada, mas o que se vai revelando na autobiografia, é que há omissões, que talvez pudessem esclarecer “pecadilhos” do movimento/ partido de que o autor foi seu fundador.
“Cruzei-me com a história”, talvez seja um título demasiado pretensioso, tendo em conta o conteúdo do livro, em que o autor quer dar uma imagem de grande seriedade, e não duvido dela em qualquer circunstancia, mas que faz uma descrição de determinados factos, com uma enorme ingenuidade, que só se me ocorre dizer que há um grande “estampanço com a história em certos cruzamentos”.
Para além do que Samuel Chiwale manifesta do movimento anti-colonial em Angola e em África, associada ás circunstancias que o levaram com Savimbi à fundação da UNITA, mostra que não se conta tudo, pois com a difusão da informação, a abertura de processos confidenciais na PIDE e no Departamento de Estado Americano, levam a concluir que há algumas arestas que não são coincidentes.
Há uns tempos atrás li o livro de Alcides Sakala Simões, “Memórias de um guerrilheiro”, editado em 2006, pela D. Quixote, e achei um livro interessante, aqui e ali polvilhado com alguma imprecisão em termos de datas e que em circunstancia alguma põe em causa as decisões controversas de Savimbi, ao longo do tempo em que estiveram juntos.
Aqui estes livros coincidem, e Chivwale, que acompanhou Savimbi desde a fundação da UNITA, é pouco preciso na complacência como o movimento de Savimbi era visto pelas autoridades portuguesas, algumas cumplicidades que surgem referidas por generais portuguesas de ideologia radicalmente diferente, e também relatórios da PIDE /DGS, hoje tornados públicos, que só reafirma o que se vai sabendo há 35 anos pelo menos.
O autor omite alguns fuzilamentos, nomeadamente Tito Chigunji e Wilson Santos, os “autos de fé” e consequentes rituais sórdidos de queima de pessoas em fogueiras e até mesmo castigos corporais exercidos por Savimbi sobre proeminentes dirigentes da UNITA, alguns hoje referentes na estrutura política, militar e empresarial da Republica de Angola,.O próprio Chiwale, explica ainda que utilizando alguma condescendência, a forma como a BRINDE, lhe terá quase preparada a tumba, para além de outras formas ignóbeis com que foi tratado e que o levaram a um estado de degradação física e emocional a raiar o quase suicídio.
Por tudo isto, acho que se quiserem ser protagonistas da história de Angola, ou se querem que o líder, que revelava um indiscutível ascendente sobre os seus companheiros, passe a figurar nessa história com alguma relevância, devem em todas as circunstancias contar as verdades sobre omissões que se vão perpetuando, avolumando-se com o decorrer do tempo, e a ganharem contornos de exageros com o desaparecimento das testemunhas desses momentos.
Quando assim acontecer, então sim podem dizer e escrever:”Cruzei-me com a história”!

Fernando Pereira 1/12/08

Morreu Michel Laban – importante estudioso da literatura lusófona/ Novo Jornal/ Luanda 5/12/08






Há algum tempo que se aguardava este infeliz desenlace, pois Michel Laban já se encontrava doente há uns tempos, pelo que o seu falecimento em 25 de Novembro, não foi surpresa para ninguém.
Aos 62 anos, Michel Laban deixa a literatura africana de expressão oficial portuguesa mais pobre, com a sua morte em Paris.
Nascido na Argélia, em Constantine, formado pela universidade de Argel em literatura geral, e em Paris em espanhol e português. Foi professor de francês em Lima no Peru, de espanhol no Norte de França e a partir de 1974 é professor de português num liceu de Paris. A partir daí, começa a dar aulas de tradução na escola onde faz todo o seu percurso académico como professor de literatura africana de Expressão Portuguesa, na Universidade de Paris III.
Numa equipa da UNESCO, desloca-se a Angola inserido num programa de formação de professores do ensino secundário em Luanda e no Huambo, em 1977 e 1978.
Foi através de Luandino Vieira, que Michel Laban se começou a interessar e a divulgar a literatura africana de expressão portuguesa, pois em 1979 apresentou na Universidade de Paris IV, uma tese sobre “A obra literária de Luandino Vieira”, tendo traduzido para francês algumas das suas obras, iniciando-se com o “No Antigamente na Vida”, para a reputada editora Gallimard.
A primeira vez que tive contacto com ML, foi através de um trabalho das edições 70, de Maio de 1980, com o título “Luandino- José Luandino Vieira e a sua obra”, em que faz uma entrevista excelente, e que dá a conhecer facetas do Luandino que pouca gente conhecia, e através dele percursos de pessoas, que não aparecendo na primeira fila da historiografia presente de Angola, foram determinantes no êxito da sua luta, e irão certamente ter o lugar merecido, num contexto histórico futuro da independência do País.
Numa iniciativa notável, a Fundação Engº António Almeida, com a colaboração da Elf, da embaixada angolana na UNESCO, ao tempo como embaixador, o saudoso Domingos Van-Dunem e da UEA, sairam dois volumes com o título “Angola, Encontro com Escritores” (1991), em que Michel Laban faz uma entrevista ao conjunto dos mais importantes escritores angolanos, nascidos em toda a primeira metade do século XX.
Esta obra, há muito esgotada, é indispensavelmente uma das melhores fontes para todos os que se interessem pela literatura e história contemporânea de Angola, feita com uma seriedade partilhada entre Laban e os seus entrevistados.
A partir desta obra,ML partiu para outras obras do tipo “Encontro com escritores” englobando autores de Moçambique e Cabo Verde, trabalhos feitos entre 1991 e 1998.Atrevo-me a dizer que Michel Laban com este trabalho ombreia com o “Reino de Caliban” de Manuel Ferreira e “A Noite grávida dos punhais” de Mário Pinto de Andrade, que são as “selectas literárias” de dimensão maior da poesia africana de expressão oficial portuguesa.
Para além da direcção do departamento de literaturas africanas de expressão portuguesa na universidade de Paris III, Laban era tradutor de muito escritor lusófono, entre eles José Cardoso Pires, Germano de Almeida, Pepetela, Luis Bernardo Howana, Graciliano Ramos, para além do já citado Luandino.
A melhor homenagem que lhe pode ser feita nesta hora de desenlace, é esperar que se veja continuado o seu trabalho.

Fernando Pereira 1/12/08
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