26 de setembro de 2008

Nido e Bem Criado/Ágora/ Novo Jornal/ Luanda/ 25/9/08



De quando em vez vou escrevendo de coisas que fazem parte do nosso quotidiano, e que de uma forma ou doutra, nunca nos são indiferentes de todo, mas só lhe damos verdadeira atenção quando sentimos a sua falta.
Uma lata cilíndrica, com cores de amarelo, branco ,verde e vermelho, faz parte do meu quotidiano desde que me conheço, e é presença continuada nos lares de Angola há muitas gerações, ainda que por vezes indesejavelmente descontinuada, mas isso é outra conversa!
Tudo isto se resume a quatro palavras apenas, que sendo poucas, são as maiores que qualquer mãe pode ter: uma lata de leite Nido!
Em termos de história, o leite Nido surge em Angola, já depois da publicação do Acto Colonial em 1930, e a partir daí foi sempre presença, algumas vezes mais efectiva que outras, na dieta alimentar das crianças que viviam no País, o que não foi exactamente o mesmo que serem angolanas.
A sua presença foi concomitante com a 2ª Guerra Mundial, com o início da luta armada, com o ocaso do colonialismo, com o advento da independência, com a institucionalização do socialismo utópico e da sua continuação até à fase primeira, e também nunca ultrapassada, de socialismo científico, o pluripartidarismo, as sucessivas guerras, a economia de mercado e o liberalismo económico, sempre a par com as sucessivas bandeiras, esperando que a sumir-se, aconteça muito antes, da vermelha, amarela e preta do nosso eterno contentamento.
Leite gordo em pó, o Nido vai calando as bocas e aconchegando as barrigas, tão desesperadas de outras esperadas. Mas o Nido vai fazendo jus à sobriedade da sua apresentação, e garantidamente é um produto de excelência, no quotidiano dos lares de Angola.
Como muitos da sua espécie, são alguns dos poucos símbolos positivos de uma globalização, a que Álvaro Cunhal, antigo secretário-geral do partido comunista português, terá dito que sempre existiu, mas era conhecida como “imperialismo”, isto numa derivação pouco aleitada sobre o tema em epígrafe.
Voltando ao leite Nido, que para além das reconhecidas propriedades calóricas, proteicas e vitamínicas, faz-me regressar aos meus tempos de miúdo em que “à sorrelfa” comia colheradas de leite em pó, e que invariavelmente davam uma gastroenterite de proporções assinaláveis, provavelmente porque misturava figo de cacto e manga quente da mangueira do quintal.
Algo que timoratamente foi fazendo parte do quotidiano de Luanda, e um pouco do País todo, foi o facto da lata de leite Nido, ser já há vários anos uma autentica peça de design de mobiliário urbano, muito antes do aparecimento da “Moviflor” e a antecipar a instalação de um IKEA na nossa cidade capital.
Não há rabo que se preze, que não tenha no seu currículo um sentar numa lata de leite Nido, ou num banco suportado por duas ou três latas encimado por uma tábua. Nunca foi o banco do poder, mas durante anos foi o mobiliário de muita escola, e ainda hoje se vai perpetuando. No mercado, na rua, à porta de casa, onde há alguém com algo para vender vemos sempre a “Nidinha”, ora para fazer um vinco nas nádegas mais descobertas, ora para servir de suporte à kitanda, ou à bacia de plástico onde estão os bens colocados no mercado real, suporte simultâneo da economia doméstica e abastecimento regular à população de alguns produtos essenciais.
Apesar de nunca ter apreciado muito as sonoridades extraídas, na lata do Nido iniciaram-se alguns artistas de djambé, e eventualmente alguns bateristas, o que só reforça o carácter pedagógico da marca que a Nestlé pariu.
Reforço a minha convicção que o leite Nido conseguiu coabitar entre o publico, o privado e o alternativo, pois por vezes podia acontecer, não com a frequência desejada a coabitação do produto nos Nzambas públicos de boa e má memória, na mercearia e no mercado paralelo.
Porque preciso de rematar este texto só me apraz dizer: Há lata para tudo!

Fernando Pereira 22/09/08
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