14 de janeiro de 2011

ARQUITEXTURA NA CELA / Novo Jornal/ Ágora/ Luanda / 15-1-2011








Uma das maiores bizarrices da “arquitextura” portuguesa em África é o colonato da Cela, no sudeste da província do Kwanza-Sul.
O termo “arquitextura” é uma originalidade do arquitecto Francisco Castro Rodrigues, um híbrido entre a arquitectura e o conjunto de “texturas”que fazem a vida colectiva de uma comunidade: social, política e económica.
O contexto da criação dos colonatos em que o de maior visibilidade é o da Cela, insere-se na continuidade do sonho de Norton de Matos, admirador confesso de Cecil Rhodes, de “importar” famílias portuguesas que se dispusessem a desenvolver economicamente o País, acabando com as relações comerciais e familiares ancestrais entre tribos de angolanos. Uma situação do tipo “arreda para lá, que esta terra é boa e vocês não sabem o que fazer dela”!
A melhor superfície cultivável, o antecipado apoio económico, a aquisição obrigatória do produto por parte dos serviços estatais no caso de não haver comprador privado, a instalação de um perfeito equipamento social de apoio ao colonato, entre outras mordomias eram direitos dos colonos que os angolanos estavam arredados, depois de lhe terem sido subtraídas as suas lavras, única riqueza que perpetuava a coesão da família tradicional angolana.
O maior mentor dos colonatos foi Vicente Ferreira, por sinal quem elevou a então Nova Lisboa a cidade, que manteve com Armindo Monteiro e Marcelo Caetano algumas divergências, fundamentalmente no que concerne ao recrutamento da mão-de-obra. Vicente Ferreira, assim como Norton de Matos, queria que os colonos dirigissem e os angolanos trabalhassem; Marcelo e Armindo defendiam que os colonos deviam trabalhar, sem recurso aos angolanos. Tecnicamente toda a supervisão, construção, legislação e adaptação foi executada pelo Engº Trigo de Morais e por Pequito Rebelo, que sobre o colonato da Cela dizia em 1961:”Daqui a anos com 100 aldeias, será um distrito Inteiramente branco na África negra, um Portugal em miniatura dentro da sua maior província, de onde irradiará energia colonizadora”. Foi criado em 1952, com o nome de Junta de Povoamento Agrário da Cela.
Não vou falar do PAN (Projecto Aldeia Nova), porque não conheço muito bem, e o que vou sabendo hoje é o que aprendi a ouvir há quarenta anos sobre o mesmo modelo de desenvolvimento agrário na Cela/Wako-Kungo: Um sorvedouro de dinheiro e um apeadeiro para novas oportunidades fora dali.
Um destes dias tive oportunidade de ver um documentário produzido pela RTP nos anos 60, com o inefável Amândio Cesar e o desaparecido Horácio Caio num trabalho sobre o colonato da Cela em que entrevistavam os colonos que por lá Portugal semeou. Era o que se chama o colonialismo serôdio, do pensar curto que cada entrevista deixava transparecer, com perguntas formatadas a respostas já ensaiadas à exaustão. Era o fim de festa anunciado, que em nada diferia da Exposição do Mundo Português na Praça do Império em 1940 na Lisboa capital do Império. Em certos momentos fez-me lembrar momentos de “A testemunha” com Harrison Ford, rodado em torno de uma comunidade Amish na Pennsilvania.
A arquitectura da Cela é qualquer coisa de parecido com o Portugal dos Pequenitos em Coimbra com risco de Cassiano Branco, um arquitecto democrata que desenhou no Lobito a magnífica estação dos CFB, hoje parcialmente ocupada por uma livraria.
Cela em que a sede era Santa Comba, em homenagem ao “Botas”, alcunha de Salazar, e tinha no seu lugar cimeiro uma igreja, copiada em todos os pormenores da que existe em Santa Comba Dão, terra natal do ditador. Havia num perímetro circundante de umas dezenas de Kms cerca de 15 aldeias, o que daria um povoamento total de 350 famílias (28 por aldeia) o que daria cerca de 3000 colonos.
O arquitecto Fernando Batalha desenhou a maior parte das habitações e edifícios públicos da Cela, e fê-lo numa composição simétrica e arcaizante, no âmbito do GAU, com modelo empobrecido da casa portuguesa de Raul Lino. Era a África dos pequenos, com consequências nefastas para todos desde colonos a autóctones e contas públicas, para além do ar sem graça da arquitectura que nada tinha a ver com a realidade onde os edifícios foram implantados.
Sobre este assunto recomendo o livro de Cláudia Castelo, “Passagens para África” editado pela Afrontamento (7-2007), na colecção Biblioteca das Ciencias Sociais. Um excelente trabalho, que convenientemente estudado e com as experiencias já existentes pode conseguir inverter alguns projectos que a leigos parecem desenquadrados e a técnicos com saber reconhecido parecem pura estultícia.
Fernando Pereira
10/1/2011

Palha vã vais ter / Interior / 14-1-2011




Dessei se a maioria de uma minoria que me vai lendo conhece a anedota do comboio parado?
Numa estação de caminho de ferro, onde tinham ficado acidentalmente uns carris que escaparam à socapa da sucata, estavam os três últimos primeiros-ministros de Portugal e Ilhas num compartimento de uma carruagem de comboio completamente imobilizado.
O Duarte, desculpem Durão Barroso, farto de ver passar as horas e o comboio parado, resolve levantar-se e sair. Volta com um ar ufano e diz que prometeu ao maquinista que o iria acompanhar para a Comissão Europeia, onde “sabia que iria chegar, não sabia quando”. O comboio manteve-se parado. Santana Lopes, com aquele ar gingão, um misto de “Maximo Dutti”e “Desigual” levanta-se num ápice e regressa com um sorriso jactancioso afirmando peremptoriamente que o comboio ia andar pois garantiu ao maquinista uma presença na capa da Caras, para além de aumento de honorários. O comboio permaneceu parado. Manifestando algum enfado José Sócrates levanta-se, fecha as cortinas deixando o compartimento numa escuridão total e diz com um ar cândido: “Meus senhores, o comboio está a andar”.
Esta adaptação livre de uma anedota dos tempos da guerra fria tem muito a ver com a realidade do que tem sido Portugal e Ilhas nestes últimos anos. Mia Couto, provavelmente um dos mais virtuosos escritores da Lusofonia, a par de Pepetela, escreveu na sua crónica regular publicada num semanário moçambicano isto: “O nosso país não produz riqueza, produz ricos”. Dirão logo uns quantos que lá vem este tipo a querer comparar Portugal com países de pretos, mas a realidade é que esta frase do Mia sobre a realidade moçambicana assenta que nem uma luva na realidade serôdia da baixa política e do chico-espertismo, em que se foi transformando a economia de mercado onde vamos andando, cantando e quase rindo.
Augura-se um ano de 2011 muito mau para o cidadão comum, mas sei que sabem que há quem saiba que já há gente a viver mal há muito tempo com reformas ao nível da indigência e outras situações do tipo, que para alguns são instrumentos de retórica em determinadas e oportunas circunstancias e para outros são a realidade de um quotidiano triste.
Por causa de tudo que vai acontecendo, e aqui lembro um outro Fernando de apelido Pessoa que dizia “Sim, está tudo certo. Está tudo perfeitamente certo. O pior é que está tudo errado”e hoje ao olhar para um mariscário, lembrei-me da parábola das lagostas. Quando estavam naquela água diziam mal da vida porque tinham saído do mar; Quando foram para a panela detestaram a água e queriam voltar para o mariscário; Quando a temperatura passou para os 40º já pediam os 20º, quando passou para os 50º pediam os 40º e por aí fora até soçobrarem definitivamente nalgum dente com melhor poder de compra e imune à crise.
Parecenças q.b. com o quotidiano da malta, que vamos sentindo que o dia de hoje é sempre melhor que o de amanhã.
Um Bom Ano de 2011, apesar de tudo!
Fernando Pereira
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