De muitos nasceu um País
No quadragésimo sétimo aniversário do dia mais extraordinário da nossa vida colectiva, vem-nos à memória o que eram os anos do antes desse Novembro do nosso contentamento.
Com
demasiada frequência vemos, ouvimos e lemos manifestações do tipo que no tempo
do colono é que era bom, ninguém roubava, era tudo coisa boa, comidinha na mesa
em abundância, e uns tropas portugueses que estavam em paz por manterem um
território pacificado.
Angola
não era rigorosamente nada disso, e o colonialismo foi demasiado tenebroso para
os angolanos, e só por pura estultícia se pode permitir comparar os maus tempos
que vamos passando com algo bem pior que acabou nesse 11 de Novembro de 1975 do
nosso encantamento.
Entre o
grande desenvolvimento que Angola tinha em termos económicos no tempo do
colono, com índices de crescimento na ordem dos 16%, nunca ninguém terá ousado
perguntar como se obtinham as mais valias? À custa de uma “requisição civil” de
pessoas de determinadas regiões destacadas para outras bem longe, transportadas
em camionetas sem bancos, recebendo salários miseráveis, que eram gastos na
cantina de uma fazenda de café, sisal ou algodão aumentando o endividamento e a
obrigatoriedade de trabalhar de sol a sol, coagidos por tratamentos desumanos
infligidos pelas autoridades. A empreitada era condenada pela OIT, mas o “código
do trabalho rural”, que em 1961 substituiu o Estatuto do Indigenato, obra “milagreira”
de um Adriano Moreira recentemente falecido, foi nada mais nada menos que mudar
tudo para que tudo ficasse exactamente na mesma.
As
pessoas por acaso sabem que em 1961, quando eclodiram as revoltas contra o
sistema colonial implantado, Angola tinha apenas duas estradas asfaltadas
(Luanda-Catete e Lobito-Benguela)? As pessoas sabem que até 1974 qualquer
trabalhador negro tinha um cartão de trabalho que devia ser assinado pelo
patrão, para justificar junto da autoridade que tinha carta de alforria para
andar na rua? Se porventura não fosse assinado era preso e só era libertado
quando o patrão lá fosse busca-lo!
Quando
se olha para o que infelizmente hoje resta da Luanda colonial, que deveria ter
sido preservado como marca identitária de uma determinada arquitetura de um
período preciso, esquecemo-nos das condições miseráveis da maior parte dos
bairros, onde o cantineiro vendia tudo e onde as rusgas eram frequentes, sendo
rara a família que não tivesse perdido alguém só e apenas por um criminoso
delito de consciência!
As
autoridades coloniais não precisavam de esconder o que pensavam. Marcelo
Caetano, quando ministro do Ultramar escreveu num opusculo “Os nativos na
Economia Africana”: “Os negros são indispensáveis como ajudantes,” mas “deviam
ser dirigidos e rodeados por europeus”. Kaulza de Arriaga secretário de Estado
da aeronáutica: “Os pretos são, de todos os povos do mundo, os menos
inteligentes” e ainda outra pérola que numa justificação que os verdadeiros
perigos de um estado colonial vinham dos “negros evoluídos”, adiantando logo
que “Graças a Deus que nós portugueses não temos a possibilidade de fazer
evoluir todos os negros.”
Não
acho que seja demasiado importante falar muito do passado que nos deu o 11 de Novembro
de 1975, e vem-me sempre à lembrança o provérbio africano: “Por mais longa que
seja a madrugada o amanhecer chega sempre”.
Tive um
professor, Vergílio Ferreira que num dos seus livros deixou uma ideia que me
tem perseguido ao longo destes anos tantos: “Tenho uma saudade imensa do mundo
que vai nascer”.
Felizmente
que Angola é um País de gente jovem, dificultadamente rejuvenescida, e terá
sempre oportunidade de intervir para querer o melhor para si e para os seus.
Quarente e sete anos é uma gota de água num contexto de um oceano. Nenhum País
arrancou sem dificuldades, porque a maioria das vezes foi o criá-las que fez
vencer a luta.
Angola
conquistou a sua independência porque houve gente que lutou por isso, pessoas
que abandonaram famílias, amigos, companheiros de tanta coisa para lutarem sem
meios para que hoje se possa ter o direito de dizer que as coisas estão mal,
que há corrupção, que há amiguismo, e tudo o resto. Era um direito que no tempo
em que Angola era uma colónia de Portugal, ao tempo um dos países mais
atrasados da Europa, era negada de forma violenta a qualquer cidadão angolano
que com alguma sorte podia passar um estágio no Penedo, Missombo, Tarrafal, S.
Nicolau e outros lugares que não apareciam nas praias de areia fina dos postais
ilustrados ou das revistas da sociedade branca de uma Luanda que acabava no
asfalto.
“Ninguém
experimenta a profundidade do rio com os dois pés” e por isso ouse-se pensar no
futuro, porque afinal é mesma a única coisa de que tenho saudades.
Posso
não gostar de muitos, que depois de terem lutado tiveram comportamentos
censuráveis depois da libertação, mas também tenho o dever de lhes agradecer “o
bocado de pão” pois deram a alegria imensa de sermos a nação que o futuro trará
significadamente melhor, com mais instrução e mais igualitária na distribuição
da riqueza!
Vamos
fazer um 11 de Novembro de 1975, novo a cada dia que passa!
Fernando Pereira 29/10/2022
2 comentários:
Li e reli o intrelectualização do teu texto. Não tenho muito a depreciar e até não contesto algumas inverdades sobre o colonialismo portugues em Angola.Como o Luandino, sou um angolano que nasceu em Portugal.Com Viriato Cruz, Helder Neto, António Jacinto, André de Sousa, Pires Júnior e tantos outros, fomos parte do núcleo inicial reivindicativo da independência de Angola que veio a a acontecer em 75.O que para ti, hoje, é apenas informação especulativa e descontextualizada, para nós era, então, uma justa reivindicação de liberdade, hoje transmutada em utopia.Porque Angola,hoje, é mesmo uma utopia. Pergunta-te onde esta, hoje, a generosidade da nossa juventude. O porquê da nossa ausência.Não, meu caro, o colono faz, realizou, construiu e, na sua generalidade, foi humano no trato com o povo.Ajudou a construir um país.Ao longo dos meus 4o anos, nunca, mas mesmo nunca, conheci alguém com fome e sem trato de saúde... O que foi acontecendo até hoje? Experimenta, como matabicho, o 27 de Maio. Pergunta-te como comem, como vivem e em que trabalham, 7 milhoes de habitantes, numa cidade projectada para 800 mil.E, porque certamente tens consciência do aviltamento a que o povo é sujeito, pergunta ainda se os governos têm governado ou se se se governam. Um abraço.
100% de acordo. Muitas verdades, algumas omissões e imprecisões no artigo do F.P. que já faz tempo que desconhece a actual realidade de Angola.
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