A FARRA DO INTERIOR
Como se previa, aquele movimento
de valorização do interior de Portugal foi mais um nado-morto. Mediaticamente
foi um arranque medíocre, mas de na realidade foi a única coisa que as pessoas,
com memória, ainda se vão lembrando cada vez mais a espaços.
Para
ajudar a esta festa de cinismo politico elevado ao coeficiente mais alto, o
governo resolveu instalar uma Secretaria de Estado em Castelo Branco, com o
propósito de melhor “ se conhecerem os problemas do interior e poder haver uma
resposta rápida para os mesmos”! Como
bem escreveu Lampedusa, “É preciso que alguma coisa mude, para que tudo fique
na mesma”.
O
governo, com a pompa e circunstancia habitual nestes eventos, veio a terreiro
divulgar a disponibilidade para entregar às autarquias um conjunto de estruturas
e serviços a saírem da administração central. Quiseram promover a
“regionalização da tesura”, tentando replicar pela via administrativa o que os
portugueses rejeitaram em referendo há uns anos, num contexto de desinformação
e com vergonhosas falácias, que levaram ao resultado que os centralistas de
Lisboa e Vale do Tejo sempre desejaram, que foi ter o País a seus pés. Só não
conseguiram os seus intentos de dar novas atribuições porque o outro envelope,
o principal, está vazio!
Como é
evidente, o interior de hoje é bem diferente do de há 44 anos, quando fizemos
as campanhas de dinamização do MFA, e se iniciou o Serviço Médico à Periferia,
embrião de um SNS todos os dias violentado por muitos que desejam a
“liberalização” da saúde!
O
interior há muito que é olhado como um enfado pelos que nos governam, e até
pelas oposições, para quem Portugal é pouco mais que a Grande Lisboa! Houve
alguém que terá dito: “Em tempos de crise, para que os vossos sapatos durem
mais, deem passos maiores”. É de um tempo que vai sendo cada vez mais repetido!
Em
1965, o Subsecretário de Estado do Tesouro, Ricardo Faria Blanc teve que
substituir Ulisses Cortês ao tempo Ministro das Finanças, então doente, na
preparação da Lei de Meios e do Orçamento para 1966. Apercebe-se de uma verba
irrisória para “os melhoramentos rurais”. Convencido que estava que devia ser
triplicada essa verba, já que iria melhorar o interior do País, levou a
proposta a Oliveira Salazar. Com aquele
ar sinistramente cético Salazar pergunta: - “Mas ao certo, o que é que o senhor
tem em vista? O Subsecretário responde: - “Bom trata-se de modernizar mais
depressa as terras do interior, levando-lhes benefícios do progresso:
canalização de água em casa, eletricidade, telefone, eliminação das fontes de
chafurdo, etc., etc.”. Salazar pergunta-lhe de chofre: - “O Senhor donde é
natural?”. - “Sou de Azeitão, Sr. Presidente, aqui a dois passos de Lisboa”. –
“Pois então não tem terra. O senhor não conhece o interior de Portugal. Sabe?
As pessoas que ali vivem estão muito arreigadas às suas tradições e modo de
vida seculares. Se lhe levamos o progresso de repente, perturbaremos gravemente
os seus equilíbrios naturais. Por exemplo se acabarmos com as fontes e lhe
levarmos a água a casa, as mulheres já não terão de ir todas as manhãs com o
cântaro à fonte: como é que elas hão-de poder pôr a conversa em dia umas com as
outras?”. Claro que não houve reforço de verba nenhuma!!
Este
diálogo mostra bem como há décadas se trilham e retrilham os sórdidos caminhos do Interior pelo poder
instalado em Lisboa, engordado pelos que para lá vão.
“Tudo é
velho onde fui em novo” Álvaro Campos.
Fernando Pereira
8/2/2019
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