Ao Silvo da
Locomotiva
Em Lisboa e Luanda tem acontecido
apresentações de livros em catadupa.
Nunca
me lembro de um tempo tão profícuo das letras angolanos, nem de tanto livro
sobre Angola. memórias, reflexões, vivencias, poesia, coletâneas, história, estórias,
e tudo o resto. O ritmo é tão grande que as posses de um qualquer remediado não
podem dar vazão a tamanho movimento.
Já li
algumas coisas que saíram, algumas até mediatizadas até à medula, e de facto
sinto-me impotente para vir aqui falar do muito que não gostei e vou-me limitar
a escrever sobre um dos poucos que admirei, repetindo-me que me faltou o folego
para tanta coisa que saiu!
O livro
de Bruno José Navarro Marçal, que assenta no seu trabalho de doutoramento na
Universidade Nova de Lisboa, editado pela Colibri, “Um império projetado pelo
silvo da locomotiva” é uma obra de grande interesse para se perceber como
nasceram algumas linhas férreas em Angola e Moçambique, como se desenvolveram e
quais foram os entraves para que algumas tivessem ficado nas boas intenções de
quem as sonhou.
O
autor, um jovem que não tem rigorosamente nada a ver com Angola ou Moçambique,
segundo julgo saber, e desempenha neste momento as funções de diretor do Museu
de Foz Coa e do Parque Arqueológico do Vale do Coa, num dos afluentes do Douro
internacional, numa zona polvilhada de quintas e vinhedos propriedade de alguns
angolanos, que terão optado desenvolver-se por estas paragens!
Este
livro, um trabalho científico, naturalmente muito documentado, poderia até dizer
em linguagem de rua, “demasiado picuinhas”, é o primeiro instrumento rigoroso
que me chega às mãos sobre as incidências do que foi a batalha para construir
caminhos de ferro em Angola, e sobretudo perceber o que foi o desenvolvimento
do País em torno do carril, enquanto valor acrescentado.
Este
livro leva-nos a uma Angola imensa num primeiro terço do século XX onde tudo
era difícil, e onde as diferentes linhas e ramais do comboio conseguiram ligar
o interior ao litoral, juntar gentes, multiplicar recursos e promover a unidade
do território. Os avanços e recuos de algumas linhas, as incertezas da sua
rendibilidade e as guerras de interesses que se instalaram e que para além das
liças parlamentares em Lisboa, levaram a desafios de pancadaria entre mui nobres
senhores pelas opções em presença!
Não
venho pormenorizar o que li no livro, mas quero lembrar que não há muitos anos,
no tempo em que Angola pensava em grande, esquecendo-se que tinha que resolver
o que era maioritariamente pequeno, houve uma ideia que também andou na cabeça
do “colono” que seria ligar o Caminho de Ferro de Benguela via Zâmbia pelo
saliente de Cazombo, ou na” bota do Dilolo” como também é conhecida a zona sul
do Luau, que até 1927 pertencia ao então Congo Belga. Esse estudo, que terá sido
pago a “peso de ouro” como vem sendo normal nos muitos que estão nas múltiplas
gavetas estatais e privadas, orçava a construção dessa linha em 12biliões de
dólares, e para além de ninguém ter tido coragem de avançar com o projeto, terá
havido algum decoro em dizer quando haveria um retorno do capital investido! As
linhas que a Angola tece. Seria mais um elefante branco, dos muitos que vamos
alimentando com tenra erva de ouro.
Estas
decisões e indecisões sobre a via férrea não é coisa de agora! Ficaram umas
pontes, uns projetos de um Caminho de Ferro do Congo que ligaria Luanda ao
Caxito, Ambriz e iria em direção a Leopoldville, mas não houve financiamento e
ficou uma ideia de que muito poucos se lembram.
Talvez
nem tenha muito a ver com o assunto, mas vejam este texto:”. Em qualquer caso,
teremos que produzir em boas condições económicas-e essas condições, por vários
motivos, não se verificam na colónia. Angola continua, de um modo geral a
produzir caro e a não poder economicamente explorar muitas das suas
possibilidades. Vários fatores para isso concorrem. Todos eles derivam, em
ultima análise, do abandono a que tem sido votados importantes problemas de
fomento, que ao Estado, que não aos colonos compete solucionar. Pode,
verdadeiramente, dizer-se que nunca se estabeleceu um programa de conjunto,
atinente ao desenvolvimento de Angola, em que se compreendessem a racional
utilização das múltiplas fontes de riqueza e aproveitamento dos seus imensos
recursos- que nesse programa se tivesse entrado em franca execução e que esta
fosse levada a cabo. A única tentativa seria ou digna desse nome foi a do Alto
Comissário Norton de Matos- e a deplorável sequencia dos acontecimentos, de que
temos sucinta notícia diz-nos eloquentemente do fracasso a que, por falta de meios
e continuidade essa tentativa conduziu. Assim se descurou a organização do
crédito em bases capazes de criar as grandes iniciativas e de assegurar o útil
rendimento do esforço dos colonos. O problema dos transportes e comunicações,
tanto por caminho de ferro, como por estradas e via fluvial, está infinitamente
longe da solução que a área geográfica, o potencial de produção de certas
regiões e até a disciplina e metódica utilização do existente exigem. Este é
sem dúvida um dos fatores que mais se faz sentir em detrimento da economia de
Angola onerando sobremaneira a produção.”
“O
problema da energia, como fonte de desenvolvimento industrial e agrícola tem
sido quase totalmente descurado- sem que faltem em Angola imensas
possibilidades naturais de aproveitamentos hidroelétricos. Idêntico é o
panorama que a colónia oferece em obras de hidráulica agrícola que a levassem à
utilização de grandes áreas, ainda abandonadas, e ao racional aproveitamento de
outras em benefício do seu rendimento. Nunca pensámos, a fundo e a sério, no
problema científico de Angola, que a todos os outros substancialmente domina
nos seus aspectos geográfico, geológico, botânico e zoológico, quando é certo
que pela sua solução será possível o conhecimento perfeito da colónia e as
directizes em que deve assentar a sua reconstrução económica.”
Este
texto foi retirado do livro de Álvaro de Freitas Morna, governador geral de
Angola em 1942 e 1943. O livro é “A situação económica de Angola” de 1945, traz
um conjunto de problemas, e não deixa de ser curioso como “A história
repete-se, a primeira vez como farsa, a segunda como tragédia” (Karl Marx em 18
Brumário de Luis Bonaparte).
Um
discurso coerente nos dias de hoje!!!
Fernando Pereira
28/11/2018
Sem comentários:
Enviar um comentário