14 de novembro de 2014

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As pessoas não vendem a terra onde vivem» - frase Sioux


Conta uma velha anedota que o reitor de uma universidade americana, de visita a Inglaterra, via com sorriso superior e condescendente as instalações de uma famosa universidade britânica: na América tudo era maior, tudo era melhor, o equipamento superior; só uma coisa invejava, e essa coisa era a maravilhosa e impecável frescura dos relvados que se estendiam entre os edifícios vetustos da universidade. Como obtinham os ingleses relva tão magnífica? Nos Estados Unidos não se conseguia coisa que se comparasse. Qual era o segredo?

O reitor britânico que acompanhava na sua visita o ilustre colega yankee, até aí visivelmente agastado, não pôde esconder um sorriso de malícia e esclareceu com falsa candura: «O segredo? Muito simples. Basta regar e cortar a relva, voltar a regar e a cortar periodicamente; ao fim de trezentos anos fica assim…»

Gosto desta anedota: não é aquilo a que costuma chamar-se cultura qualquer coisa como o relvado britânico? Apenas a persistência do esforço, a rega e a poda regulares, a continuidade do empreendimento, a paciência e a perseverança do exercício, alcançam, no âmbito do saber e da criação, produzir esses frutos de polpa rica, densa, nutritiva, saborosa que são o tesouro das nações. E não basta que uns quantos se apliquem à tarefa por desfastio; é preciso que as gerações se sucedam, acumulando a experiência, suscitando a tradição do trabalho bem feito, renovando o viço.

«O Povo completo será aquele que tiver reunido no seu máximo todas as qualidades e todos os defeitos. Coragem portuguesa, só vos falta as qualidades». Esta frase de Almada Negreiros, um poeta português do grupo Orpheu, cúmplice e contemporâneo de Pessoa, nascido em S. Tomé e Príncipe no fim do século XIX, adequasse-nos na perfeição, que nunca temos tempo para nada, fazemos tudo a correr, e enleamo-nos em projetos múltiplos para no fim nos habituarmos a atamancar qualquer coisa, preocupando-nos mais com os “exteriores” do que propriamente com a solidez e eficácia dos “interiores”.

Como não sei se volto a escrever antes do Natal, aqui vai a minha oferta em forma de verso deste homem maior da literatura portuguesa: Jorge de Sena.

Que adianta dizer-se que é um país de sacanas?

Todos os são, mesmo os melhores, às suas horas,

e todos estão contentes de se saberem sacanas.

Não há mesmo melhor do que uma sacanice

para poder funcionar fraternalmente

a humidade de próstata ou das glândulas lacrimais,

para além das rivalidades, invejas e mesquinharias

em que tanto se dividem e afinal se irmanam.

Dizer-se que é de heróis e santos o país,

a ver se se convencem e puxam para cima as calças?

Para quê, se toda a gente sabe que só asnos,

ingénuos e sacaneados é que foram disso?

Não, o melhor seria aguentar, fazendo que se ignora.

Mas claro que logo todos pensam que isto é o cúmulo da sacanice,

porque no país dos sacanas, ninguém pode entender

que a nobreza, a dignidade, a independência, a

justiça, a bondade, etc., etc., sejam

outra coisa que não patifaria de sacanas refinados

a um ponto que os mais não são capazes de atingir.

No país dos sacanas, ser sacana e meio?

Não, que toda a gente já é pelo menos dois.

Como ser-se então nesse país? Não ser-se?

Ser ou não ser, eis a questão, dir-se-ia.

Mas isso foi no teatro, e o gajo morreu na mesma.

Como é uma crónica entediante, porque não Saramaguear: «O passado é um imenso pedregal que muitos gostariam de percorrer como se de uma auto-estrada se tratasse, enquanto outros, pacientemente, vão de pedra em pedra, e as levantam, porque precisam de saber o que há por baixo delas». (José Saramago em “A Viagem do Elefante”).

Fernando Pereira

12/11/2014

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