13 de dezembro de 2014
Adeus, até ao meu regresso!
Há pouco mais de quarenta anos, num acinzentado Portugal de gentes desesperançadas e hordas de jovens a caminho de uma guerra filtrada numa TV a preto e branco travestida, assistíamos, por esta altura do ano, a um dos mais sórdidos espetáculos que o regime colonial-fascista dava às famílias portuguesas: as mensagens de Boas Festas dos militares.
As mensagens de Natal dos soldados que tentavam sobreviver nos três teatros de guerra, deixavam transparecer, nos olhares de toda uma geração de gente jovem, uma sensação de vazio extremo, que nem as suas poucas palavras conseguiam dissimular, a tristeza e o desencanto de se verem abandonados na defesa de um nada, ou melhor, uma réstia de nada.
“Adeus até ao meu regresso” ou um “Natal cheio de propriedades”, eram algumas das muitas frases que os soldados dirigiam aos seus familiares, em gravações feitas em outubro, o que levava a situações caricatas de chegarem a dezembro mensagens de soldados que nessa altura já «vinham numa caixa de pinho/do outro lado do mar», como bem dizia Reinaldo Ferreira, outro defenestrado de uma pátria que sempre teimou em fazer isso a quem ousava pensar diferente.
Quando a data libertadora do 25 de Abril de 1974 chegou havia na Guiné, Angola e Moçambique setenta e oito mil militares que lutavam já para sobreviver, pois há muito que havia a certeza de que a guerra estava militar e politicamente perdida. «A guerra é a continuação da política por outros meios», como dizia o prussiano von Clausewitz (1780-1831), é a prova clara de que África, para uma geração sacrificada de portugueses, foi um atoleiro donde se regressou sem glória.
Ainda hoje há uma certa reserva em falar da guerra colonial, como ainda são inconclusivas muitas das sequelas inerentes a um período difícil da história recente de Portugal. Mas tenho a convicção de que começa a ser tempo de se tirarem os “esqueletos dos armários”, para que os vivos que viveram esses anos de podridão se possam sentir de alguma forma, ainda que pequena, recompensados desse esforço inglório que fizeram na defesa do que foi um verdadeiro embuste para perpetuar um regime que só se aguentava com o sangue de gente inocente.
Não há aldeia nenhuma, no mais recôndito lugar de Portugal, onde não haja uma vítima da guerra colonial e há concelhos que perderam muitos dos seus filhos nesses anos de chumbo. É urgente fazer-se uma homenagem pública a essas pessoas que deram a vida a lutar pela Pátria, pois é uma forma de os lembrar e simultaneamente deixar bem vincada a repulsa de todos por um regime caduco, liderado por um velho rato de sacristia, para quem a sua perpetuação no poder dependia de vítimas que pudesse transformar em heróis para fazer aquele espetáculo sórdido do 10 de Junho no Terreiro do Paço. É a homenagem que falta fazer aos homens que tornaram possível o 25 de Abril de 1974.
Tenho a ideia de que não se deve andar a fazer festas à farinheira, ao míscaro, à amendoeira, ou a outra coisa qualquer quando ainda não se fez uma homenagem a quem mais a mereceu nas suas terras: os militares portugueses tombados na injusta guerra colonial. Um “aerograma” enviado com destinatário certo: autoridades civis e militares de todo País. “Que ninguém seja deixado para trás”, como é vulgar utilizar-se no léxico castrense, ou melhor, que nenhum militar seja esquecido!
Este texto poderá dar a ideia que é escrito por alguém que ainda tem contas a ajustar com o passado, mas na realidade assumo que não há aqui qualquer tipo de exercício expiatório. Enquanto o mundo desenvolvido, na década de 60 e parte da de 70, era um pleno de efervescência cultural, de debate, de apogeu económico, de ruturas nas mentalidades, Portugal era governado por um velho, cercado de homens pulverizados mentalmente com água benta que mandavam o seu maior tesouro para terras que mais tarde que cedo iriam ser independentes, já que esse era o desígnio da história. O embaixador americano Elbrick, ao sair, em 1961, de uma conversa com Salazar, sobre a intransigência do ditador em resolver a questão colonial logo no seu início, deixou escapar o seguinte comentário: «Estive duas horas à conversa com Vasco da Gama e Luis de Camões»!
Morria-se pelo passado e não pelo futuro e isso fazia toda a diferença. O “Adeus até ao meu regresso” era a imagem do medo, da angústia, dos olhos vítreos fixados numa câmara onde se desespera de se ser, num Portugal perdido numa África onde gente nova, combativa e determinada semeava militarmente, afinal, a utopia de pátrias novas que também Abril ajudou a dar ao mundo.
A homenagem a esta gente deveria ter sido ontem, mas, como não o pôde ser, que seja num amanhã próximo de hoje! Bom “dia da família” e um bom Ano Novo para quase todos que me leem!
Por: Fernando Pereira
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