50 ANOS JÁ CÁ CANTAM!
"Depois dos ganhos e perdas dos
dois lados, uma ordem nova substitui a ordem antiga, até que outra venha por
seu lado substituir aquela. Muitas vezes, certamente, nos perguntámos como se
processou essa espécie de rendição dos deuses, que hesitações, que angústias a
precederam ou dela resultaram, que movimentos de alma ela fez nascer"
Marguerite Yourcenar, " O tempo,
esse grande escultor".
Ao comemorar o 25 de Abril de 1974,
só me apeteceu dizer: 50 anos de liberdade ninguém me tira!
“Gostei da festa pá”, citando uma
estrofe do Tanto Mar do Chico Buarque! De tudo gostei sem me entusiasmar por aí
além, já que à medida que a idade cresce em progressão aritmética diminui o
entusiasmo em progressão geométrica.
Gostei de ver a enorme adesão às
comemorações do 25 de Abril de 1974, o que revela que as pessoas se reveem nos
princípios de uma das datas mais importantes da história contemporânea de
Portugal.
Fiquei satisfeito por ver que numa
região onde gentes de Abril foram tão maltratadas ao tempo, tem hoje a
felicidade de verem que os valores que defendiam há quase 50 anos, saudados por
quase todos.
Recordo de há décadas, a
intransigência dos caciques locais e uma parte do clero perseguirem as pessoas
que defendiam os valores de Abril. Em muitos concelhos do distrito da Guarda
defender o 25 de Abril de 1974 era uma heresia e a ameaça física e a
ostracização social eram comuns. Fui testemunha e vítima de algumas atitudes de
gente que não hesitava em rotular e perseguir pessoas para que se perpetuasse
no terreno os ignóbeis tempos de um fascismo serôdio.
Gostei de saber que o clero trauteia
a “Grândola Vila Morena” em publico, quando há pouco menos de 50 anos proibia
que as músicas de José Afonso passassem na Rádio Renascença, emissora católica
portuguesa. Na diocese da Guarda em 1976 numa igreja cedida a um coro para que
se entoassem canções da tradição popular portuguesa, o pároco decide acabar o evento
porque o coro cantou o “Canta camarada canta”, que afinal é tão só uma musica
do cancioneiro da Beira Baixa, e nada tem a ver com comunistas!
Hoje já estaria mais à vontade para
colar cartazes, do que no tempo em que vi numa janela um tipo “respeitável”
numa vila deste distrito com uma espingarda a dizer que já “vos f…os cornos
comunistas filhos da p…”!
Fico contente pelo muito que se
alterou, mas triste quando vejo que o discurso de hoje, mesmo de alguns que
andam de cravo na lapela é de um exercício
que alimenta a xenofobia e instiga o ódio contra gente que procura
Portugal para viver e trabalhar, e que sem eles muitos serviços se arriscam a
parar.
Lamentável num País que tem cinco
milhões de emigrantes espalhados pelo mundo. O racismo sempre foi formatado pela mentalidade colonial herdada do
Estado Novo, mas exacerbarem os ódios racistas, e começarem a aceitar-se como
vulgares as agressões é aviltante para com os valores de Abril e para os
fundamentos de uma sociedade solidária!
Numa recolha do século XIII no Koans
Zen para meditação comum: “dois monges discutiam sobre uma bandeira. Um dizia:
“A bandeira move-se”. O Outro dizia: “O vento move-se”. Um terceiro patriarca
passou por ali por acaso. E disse-lhes: Não a bandeira, nem o vento, é a mente
que se move”.
Fernando
Pereira
5/5/2024
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