15 de março de 2024

O voto útil / O Interior/ 13-3-2024


 



O voto útil  

Como se diz em gíria, este artigo vai ser escrito a dois andamentos: um porque ainda não sei o resultado das eleições, e outro porque quando souber já não alterarei uma vírgula ao que escrevi.

                Em qualquer período eleitoral vem-me sempre à memória a máxima de Hegel, “nós aprendemos com a história o que não aprendemos com a história”.  Na realidade a cada ato eleitoral que vamos tendo, e felizmente já ando nisto há quase cinquenta anos, os intervenientes são diferentes, mas os lugares comuns são a cada ano piormente iguais.

                Uma das situações que sinceramente mais me irrita, e não é de agora, é o continuado apelo ao voto útil por parte dos “leaders” dos partidos da alternância em Portugal, o PS e o PSD, que perpetuam um sistema de representatividade completamente desadequado da realidade do País de há décadas.

                O “Voto é a arma do povo”, foi o primeiro slogan para as eleições democráticas de 25 de Abril de 1975, que elegeram a Assembleia Constituinte, que elaborou o texto constitucional que legitimou o Estado democrático. Ao tempo votámos com entusiasmo, e a obra final que se perpetua é boa, apesar de constantes atropelos por parte de algumas forças que prefeririam uma “democracia musculada” ao invés da democracia participada.

                O voto do cidadão tem que ser sempre útil, e urge que as pessoas sintam utilidade no ato mais nobre da sua vida coletiva. Se a legislação prevalecente faz com que mais de 700.000 votos dos cidadãos sejam para ser atirados para o “caixote do lixo da história”, isso é outra coisa. Votar em consciência em determinados territórios em Portugal, ou melhor na maioria dos concelhos do País é quase um perder tempo, porque os escolhidos são sempre os mesmos partidos. Urge modificar isso, e seria objetivamente excelente para combater efetivamente a abstenção nos territórios de baixa densidade. Copiar o modelo alemão, e outros na Europa, e fazer um círculo de compensação, o que daria maior visibilidade a outros partidos, e não “aos que são mais do mesmo”. A experiência dos Açores é um modelo replicável para o resto do País e assim os votos das pessoas que não alinham com os partidos do poder deixam de ser “clandestinos”.

                Quando há quase 50 anos se fez a legislação eleitoral para o parlamento, ou para as autarquias a dispersão populacional do País não era tão evidente e a disparidade entre as regiões não sofriam de tanta assimetria. Hoje importa alterar o estado das coisas para se poder acelerar modelos de desenvolvimento nacionais e locais mais consentâneos com um futuro mais moderno.

                Uma das alterações fundamentais a fazer é no quadro das autarquias locais, onde a presença dos presidentes de junta que não são eleitos pelos cidadãos que elegem metade dos deputados municipais é um disparate consentido. Eu percebo a lógica da criação das Assembleias Municipais, e que foi objetivamente o de dar voz e alguma dignidade aos presidentes de junta de freguesia. A realidade é que a A.M. hoje tem tudo menos dignidade democrática. Um candidato a deputado municipal com um milhar de votos é preterido por um presidente de junta de freguesia eleito por 120 votos, por exemplo. Urge acabar com este anacronismo, que favorece o caciquismo, em que o representante de uma junta de freguesia, dotada de autonomia financeira e administrativa, vai votar o orçamento e plano de outra estrutura à qual não há ligação nenhuma em termos orgânicos.

                O modelo de copiar o figurino da Assembleia da Republica para a Assembleia Municipal seria o desejável, em que o Presidente da Camara fosse o cabeça de lista da estrutura política mais votada, e escolheria os seus vereadores sem se cingir à lista que levou a votos. À AM seriam dados poderes maiores, incluindo a possibilidade de destituir o executivo. As juntas de freguesia seriam agrupadas numa estrutura do tipo Conselho Municipal, com poderes reforçado e que ficassem entre o órgão de consulta e a obrigatoriedade de serem aceites certas recomendações.

                Julgo que é um bom tema para debate, e aqui estão algumas imperfeiçoes da minha parte.

                Gonçalo Manuel Tavares foi recuperar um poema de Brecht: “Pois não seria mais fácil que o governo dissolvesse o povo e elegesse outro”.

                Já gora, a única coisa útil em eleições é o voto!

 

Fernando Pereira

10/3/2024

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