A inquietude política
Neste tempo epidemiado de confinação
e recolhimento obrigatório na maioria dos concelhos veio-me à memória um
aforismo de Jorge de Sena: “Na tarde que anoitece o entardecer nos prende”.
Embora
complicada a situação sanitária prevalecente, muitos dos já habituais
“providenciais” nos concelhos colocam-se em prontidão combativa para as
autárquicas do próximo ano.
Sinto-me
particularmente sensibilizado enquanto cidadão, por haver tanta gente
determinada a de forma completamente desinteressada a fazerem propostas por um
futuro melhor para mim, e para os homens e mulheres que partilham comigo o chão
sagrado do nosso território.
Já há
uns anos pedi o mesmo, e volto a fazê-lo porque julgo que as palavras não
tiveram eco junto de todos os candidatos às autárquicas há quatro anos: Não
façam sacrifícios por mim, nem pelos cidadãos porque sinto-me mal perante tanto
voluntarismo e tanto desprendimento.
Os
candidatos a autarcas fazem sacrifícios familiares, perdem dinheiro, tem
carreiras interrompidas, e por aí fora só e apenas pela vontade de servir! Não acho
que nós eleitores mereçamos tamanhos sacrifícios, e não acho que teremos que
ficar penhoradamente agradecidos a tanto excesso desprendimento de toda a
ordem.
Não
precisam de prometer coisas novas, limitem-se a fazer o que muitos já
prometeram e nada foi feito; melhor, por favor não digam que vão fazer alguma
coisa!
Nunca
como hoje a sociedade está tão cheia de “Conde de Abranhos”, essa imorredoira
figura que o Eça de Queirós deixou na literatura portuguesa para mostrar o que
era o percurso político da subserviência, da nescialidade , da intriga, da
bajulação e do vira-casaquismo na sociedade portuguesa no fim do seculo XIX.
Uma caricatura transversal à monarquia, à República, ao Estado Novo e à
democracia saída de um 25 de Abril de 1974 de esperança e engolida pela voragem
de um 25 de novembro de 1975 que se perpetua à décadas.
A todos
os putativos candidatos determinados em desenvolver tudo que se lhes atravesse
no caminho sugiro que assumam que o fazem por si, pelo seu percurso político,
para alimentar o seu ego, mas que não o façam pelo cidadão anónimo que quer
mesmo é que as coisas corram melhor e sem atropelos e jogos florentinos de quem
a ideologia está alcandorada no cataventismo em qualquer lugar altaneiro que se
tenta ocupar.
José
Saramago, avisado prémio Nobel da Literatura escreveu que “há duas palavras que
não se podem usar: uma é sempre, outra é nunca”. Lembrai-vos pois!
Há uma
velha frase de Maquiavel que também fica bem neste texto curto e grosso: “Os
poderosos criam dificuldades para vender facilidades”. (Metida aqui à pressão)
Fernando Pereira
9/11/2020
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