Sem eira nem Beira
Um dos aforismos do quotidiano
diz: “quando um pobre come galinha, um dos dois está doente”!
O som
das vuvuzelas dos relógios das igrejas são os únicos sons audíveis na maior
parte das aldeias de uma Beira esvaziada de gente e de perspetivas de um futuro
melhor.
Vemos
escolas fechadas, parques infantis ao abandono e só a presença diária da
carrinha do padeiro consegue quebrar a monotonia de um quotidiano de desvida!
Num
período de euforia eleitoral, em quase todas as aldeias fizeram-se
polivalentes, muitos com iluminação e balneários, e perante o estado de
degradação acentuado o que se depreende é que nunca terão servido para grande
coisa, a não ser para que os autarcas se tenham atascado num lodaçal de
entremeada, febras e vinho de duvidosa qualidade, no dia da sua inauguração com
fogo de artificialidade e lágrimas dos contribuintes!
As
aldeias orgulham-se do seu mais recente equipamento, a capela mortuária, espaço
que deixará de ter uso porque à medida que vão minguando os vivos, os mortos
deixam de ter quem os enterre!
Estou a
ser pessimista ou estarei apenas a debitar umas “avulsisses” sobre um tempo que
parou, num mundo rural longe das descrições de Aquilino ou Júlio Dinis!
Há,
contudo, alguma coisa positiva no meio disto tudo, e embora de forma
paulatina vai-se assistindo à recuperação de alguma agricultura, e hoje vem-se
muitos campos tratados com outros meios, longe da desgraça que era o “mundo
rural” do Estado Novo. Defendo há muito a atribuição de subsídios à agricultura,
porque é a única forma de manter as terras com ocupação e desenvolver o sector
produtivo, fundamental para o sucesso económico no futuro do País. Obviamente
que esse subsídio tem que ser acompanhados por funcionários públicos com formação
e no terreno, e não se fazer o que tem sido habitual que é a recorrente
situação de funcionários publicados fazerem relatórios à medida.
Nestas
crónicas tenho alertado para a falta de empenho do poder central no interior.
Os próprios eleitos do interior vão- se esquecendo de quem os elege. Não é uma
prática deste governo, é a política normal de qualquer governo da República,
embora seja uma situação recorrente desde a monarquia. Não fora o arrojo de se
ter construído o caminho de ferro, tão maltratado pelo salazarismo e
continuadamente abandonado pelos governos da democracia, e o interior hoje era
uma verdadeira capela funerária de gentes e desfuturos.
A
situação do interior traz-me à lembrança uma anedota que circulava nos tempos
da guerra fria sobre alguma inoperância dos serviços públicos da ex-URSS: Num
compartimento de um comboio na URSS estavam Estaline, Krutchev e Brejnev. O
comboio que devia estar a andar permanecia parado, e Estaline levanta-se
dizendo que ia tratar do assunto. Voltou sorridente e disse que tinha enviado o
maquinista para o Gulag e o comboio ia andar com o fogueiro a fazer as vezes do
colega. Permaneceu parado. Krutchev levanta-se, sai do compartimento e regressa
ufano dizendo que o comboio ia andar porque ele reintegrou o maquinista e premiou-o
com um prémio da emulação socialista. O comboio permaneceu parado. Brejnev
levantou-se, fechou as janelas e o compartimento ficou numa escuridão total, e
disse, meus senhores, o comboio está a andar!
Para
tempos novos no interior lembro Odorico Paraguaçu, essa imorredoira figura de
perfeito de Sucupira, interpretado por Paulo Gracindo:” Vamos botar de lado os
entretanto e partir logo para os finalmente”.
Fernando Pereira
12/10/2020
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