O RENDER DA GUARDA
A modalidade mais praticada num
presente passado do nosso País tem sido assacar tudo o que é mau para José
Eduardo dos Santos e família.
Nunca
fui um prosélito de José Eduardo dos Santos, e jamais deixei de colocar as
minhas críticas sobre algumas das suas decisões ou por causa da falta delas em
determinados momentos, mas fico surpreendido com o exercício de bandeamento
quase coletivo que se observa no quotidiano politico do País.
Muitos alijam
as responsabilidades do que há muito se via correr mal para cima do
ex-inquilino do palácio da cidade alta e sua família, esquecendo os tempos em
que subservientemente usavam das prerrogativas especiais de serem próximos, ou
próximos de próximos.
José
Eduardo dos Santos foi Presidente da República do País durante trinta e oito
anos e de facto teria saído pela “porta grande” se o tivesse feito em 2004!
Uma das
muitas críticas que fui fazendo a José Eduardo dos Santos tem a ver com a sua
postura de rigidez, de distanciação e um absurdo secretismo da sua vida
privada, não olvidando que era uma figura publica.
À conta
disso deixou que se criassem hiatos na sua vida de militante na
clandestinidade, no seu passado de ministro e depois da sua exageradamente longa
de mais alto magistrado da Nação.
Não dar
entrevistas a jornalistas angolanos, não partilhar os seus gostos musicais,
literários, gastronómicos, o não exteriorizar emoções, o dar um formalismo
exagerado às suas ausências por motivos privados fez com que a “mujimbuíce”
reinasse e a especulação fosse corroendo a sua esfíngica figura.
José
Eduardo dos Santos recebe um legado complicado de Agostinho Neto. O País
começava a confrontar-se com uma presença de uma guerrilha por parte da UNITA
cada vez mais atuante, e sem que no quadro interno se resolvessem as questões
politicas inerentes ao 27 de Maio de 1977, à OCA, Revolta Ativa e outros grupos
que estavam com a liberdade cerceada. JES libertou todos, sem que, contudo,
fizesse o que teria sido importante, que seria um movimento de catarse
política, que poderia vir a servir de exemplo para o futuro político do País
que se desejava mais coerente.
A crise
petrolífera no dealbar dos anos 80, aliada ao recrudescimento da guerrilha
criou uma situação dramática para grande parte da população, e aí JES conseguiu
ir esbatendo o embrião do marxismo-leninismo para a procura de um modelo
económico e político mais adequado à realidade do País. A sua postura foi
coerente e ia-se afirmando como estadista em termos internos e externos.
É a
figura visível da independência da Namíbia e um dos que terão contribuído
decisivamente para o fim do apartheid na África do Sul, sem que internamente
resolvesse a questão da eternizada luta contra a UNITA. Aceita negociar um acordo de paz (Bicesse) e
abre Angola ao multipartidarismo.
Numas
eleições precipitadas, por exigências de uma comunidade internacional a lamber
feridas da guerra fria, deixa em suspenso uma segunda volta por falta de
comparência de Jonas Savimbi. JES tem dificuldades acrescidas para resolver o
conflito interno, fruto da exiguidade de recursos e a cada vez maior
dificuldade em recorrer a antigos aliados, a braços com os problemas do
desmembramento da URSS.
Liberaliza
a economia, e aqui terá surgido a fase primária do que se veio a transformar o
seu tempo de governação no futuro, com a utilização indevida por parte de seus
próximos da coisa publica, e alguma da sua guarda-pretoriana a ficar com
apetecíveis recursos do estado.
Em 2004
com a Paz finalmente encontrada, JES comete o início do seu hara-kiri político
ao continuar na chefia do Estado e do MPLA. Mal aconselhado, mal rodeado e com
um circulo de usurários a cercarem-no, alguns deles do seu clã familiar,
deixou-se enlear numa teia de compromissos, que fazem empalidecer de vez todo
um passado de relevo patriótico.
JES
passou a ser refém do conjunto de interesses que se transferiram do Futungo
para a Cidade Alta, e em certos casos era vexatória a impunidade com que os
seus próximos iam fazendo negócios e negociatas, enquanto o País deixava perder
mais uma oportunidade num tempo em que o petróleo atingiu valores impensáveis
no mercado internacional.
Não
deixo de separar o José Eduardo dos Santos que entusiasticamente apoiei em 1992,
e que defendi com algum enlevo no início do século, do outro que hoje vai
assistindo, provavelmente taciturno, a um tempo novo em que se vai ter que
reconstruir o que ele ajudou a destruir para proteger família e alguns homens
de mão.
Confesso
que sinto alguma tristeza em ver o JES transformado numa figura shakesperiana
do tipo do “Imperador” de Ryszard Kapuściński , livro que
relata a fase final do Haile Selassie, mas simultaneamente continuo a dizer que
tive muito orgulho em tê-lo como Presidente da Republica do meu País, o que não
deixa de ser paradoxal.
Porque vai
abandonar a liderança do MPLA é bom que se diga o que se pensa hoje, porque o
futuro próximo será de lhe atirar todas as culpas de quase tudo, mas que num
futuro mais longínquo talvez venha “alguém que de mim bom fará”!
Fernando Pereira
4/9/2018
1 comentário:
Quer se queira ou não, o facto de ter conseguido acabar com uma guerra fraticida e ter no mesmo parlamento os irmãos desavindos, é de um valor incalculável. Não quero justificar o resto mas para quem conheceu e viu durante 3 anos no Hospital Militar de Luanda o que são vidas destruídas, tem forçosamente outra visão das coisas. A César o que é de César.
Enviar um comentário