27 de março de 2015

Luanda a ferro e não a fogo! / Novo Jornal / Luanda 27-3-2015





Na fachada da Igreja do Carmo, em Luanda, está inscrita numa pedra a tabela dos toques para incêndios na cidade, que foi dividida em dez zonas de combate a estes sinistros através de regulamentação concebida no fim da primeira metade do século XIX.
Luanda era, pelos anos 30 do século XIX, uma urbe com escasso casario de pedra, circunscrita ao que sempre se chamou Cidade Alta, na atual Rainha Ginga Antiga Salvador Correia, no Bungo, em volta da Igreja dos Remédios e junto às praias que iam até à Igreja da Nazareth. Na Baixa, nos Coqueiros, na Maianga, em redor da Igreja do Carmo até ao Kinaxixe, na Mutamba, nas Ingombotas e no sopé do morro da fortaleza florescia um matagal com telhados de colmo, em casas de «pau-a-pique», na zona da terra vermelha, o musseque.
Era aí que deflagravam o maior número de incêndios e naturalmente que era preocupante para a cidade tendo em consideração a proximidade do casario e a sua vulnerabilidade no caso de o incêndio se propagar.
Nesse contexto, surge um edital da Câmara Municipal de Luanda, em 1839, que obrigava a que, ao toque de fogo, os donos das lojas de comércio ficassem obrigados a mandar um escravo, ou um servo, munido de um cazengo de água para extinguir as chamas, sendo multado em mil reis cada comerciante que não cumprisse tal regulamento.
Cada igreja de Luanda tinha afixada a tabela de toques de sinos, que iam desde os cinco na zona da Igreja do Corpo Santo, aos quinze quando era para os lados da Igreja da Nazareth! Logo que ouviam os toques, os empacaceiros, subalternos negros vestidos com um saiote e com uma tira de couro de búfalo (npacaça), começavam a avisar onde era o fogo. Os soldados da Cavalaria e o serviço de sapadores e todos os disponíveis lá carregavam a água com o máximo cuidado para apagar o incêndio e evitar que tomasse proporções impossíveis de controlar.
Controlados pelas forças militares, lá se conseguia uma organização razoável que ia apagando o fogo. Três dolentes badaladas na igreja da zona eram o sinal de que o fogo estava apagado.
Importa aqui dizer que a água foi sempre um problema enorme em Luanda, desde os tempos em que se foram fixando pessoas e aumentando a atividade militar e comercial da cidade.
Os poços e as cacimbas não chegavam para as necessidades básicas e nesse tempo a água era trazida do Bengo em barcaças e vendida a 12,5 reis o barril, preço que aumentava para o dobro quando havia calema e os barcos não conseguiam passar a barra. Um eterno problema que se perpetuou com a LAL e hoje com a EDAL.
Quando se olha para a cidade, que cresce assustadoramente em altura, não é despiciendo que se pergunte se todos os megatéreos implantados na cidade têm um plano realista de evacuação em caso de incêndio ou se o equipamento de combate por parte do corpo de bombeiros tem capacidade para uma intervenção rápida nesses edifícios.
Fico com a convicção de que talvez seja útil repensarem-se os planos de contingência em caso de incidentes deste tipo para se evitarem tragédias como as que vão ocorrendo um pouco por todo o lado, fruto de uma ausência de planeamento e uma enorme falta de aconselhamento às populações sobre a natureza dos locais onde vivem, quer na chamada zona enobrecida quer nos labirínticos bairros construídos um pouco por todo o lado.
Vou continuar a escrever sobre a Luanda de outros tempos, com a ajuda da obra de José de Almeida Santos, funcionário da Camara Municipal de Luanda nos anos 70 do século passado e que tem um trabalho excelente sobre a cidade que se habituou a crescer de forma avulsa e anárquica.
Era bom que o Governo Provincial reeditasse estes livros e os disponibilizasse aos muitos que ainda acham que debater Luanda vale a pena.

Fernando Pereira
23/3/2015

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