Vamos revisitar o
futuro?
Com tudo que se tem passado, só se me oferece fazer uma adaptação
do que dizia Almada Negreiros sobre Portugal, diria “Isto não é o Mundo. É um sítio. E ainda por cima, mal frequentado!"
Estas semanas que foram
particularmente pródigas em notícias,
não auguram nada de bom nas relações internacionais, e a degradação que
se vinha acentuando nos últimos anos no contexto das relações económicas, nas
alianças militares e nos alinhamentos políticos deixam no horizonte tempos de
grande indefinição. A ausência de uma liderança na Europa, a inversão de
valores na nova administração nos EUA, a firme autocracia russa e o olhar matreiro
dos governantes chineses conseguem fazer um cadinho de soluções que podem vir a
ser irreversivelmente explosivas.
Não sei se terá sido por
acaso, revi o filme de John Ford, “A grande Esperança”, título em português do
“Young Mr. Lincoln”, uma das minhas películas de eleição. Um filme de 1939, com
um pujante Henri Fonda, que dá corpo à personagem de um dos mais
extraordinários presidentes dos EUA Abraham Lincoln. O enredo não é sobre a
vida de Lincoln enquanto presidente, mas é sobre o seu tempo enquanto um jovem
advogado confrontado na defesa de dois irmãos de um caso de homicídio evidente.
O filme é dos mais
admiráveis da filmografia mundial, mas o que é importante reter quando estamos
a vê-lo é a estrutura moral e ética de um cidadão impoluto que foi dos mais
marcantes presidentes dos EUA, o republicano Lincoln, assassinado há mais de
150 anos.
É
confrangedor assistirmos nos EUA o que tem sido a magistratura dos últimos
presidentes do País, com evidentes reflexos na instabilidade passada e presente em diversos locais do mundo.
O edifício democrático em que assentam
os EUA, afinal um continente com uma diversidade cultural, com assimetrias
económicas, com falta de uma unidade religiosa, com um mosaico de raças tem
conseguido sobreviver uma nação unida a um enorme desgaste que alguma gestão
algo cataventista que tem imperado na Casa Branca e no Capitólio. Os lóbis, as alianças espúrias por regimes de
discutível espírito democrático, a falta provável de um antagonista forte em
termos militares, a ultrapassagem demasiado rápida da sua estrutura económica
tem levado os EUA a esta situação, e ainda por cima acresce que já há décadas
que é um País pouco confiável na perenidade das suas relações externas. Como
bem dizia o cínico Henri Kissinger: “Ser inimigo dos EUA pode
ser perigoso, mas ser amigo é fatal.”,
ou ainda, “A América não tem amigos
permanentes ou inimigos, apenas interesses”.
Num
tempo em que se assiste a um espetáculo permanente, e nalguns episódios até
confrangedores, no quotidiano das relações internacionais vemos com preocupação
um futuro que julgámos sempre ser impossível de acontecer.
Voltando
a Lincoln, um homem que obstinado venceu uma guerra civil por uma causa, a
abolição da escravatura, afinal ironia do destino a bandeira dos republicanos e
a oposição forte dos democratas, deixou um legado no seu discurso no filme de
John Ford: “O poder começa quando cada um sentir como sua a lei de todos”.
Quando
me desapetece falar de questões internas há sempre o recurso às externas.
Fernando Pereira
10/03/2021
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