13 de março de 2025

Vamos revisitar o futuro? / O Interior / 11-3-2025

         




Vamos revisitar o futuro?

 

Com tudo que se tem passado, só se me oferece fazer uma adaptação do que dizia Almada Negreiros sobre Portugal, diria “Isto não é o Mundo. É um sítio. E ainda por cima, mal frequentado!"

            Estas semanas que foram particularmente pródigas em notícias,  não auguram nada de bom nas relações internacionais, e a degradação que se vinha acentuando nos últimos anos no contexto das relações económicas, nas alianças militares e nos alinhamentos políticos deixam no horizonte tempos de grande indefinição. A ausência de uma liderança na Europa, a inversão de valores na nova administração nos EUA, a firme autocracia russa e o olhar matreiro dos governantes chineses conseguem fazer um cadinho de soluções que podem vir a ser irreversivelmente explosivas.

            Não sei se terá sido por acaso, revi o filme de John Ford, “A grande Esperança”, título em português do “Young Mr. Lincoln”, uma das minhas películas de eleição. Um filme de 1939, com um pujante Henri Fonda, que dá corpo à personagem de um dos mais extraordinários presidentes dos EUA Abraham Lincoln. O enredo não é sobre a vida de Lincoln enquanto presidente, mas é sobre o seu tempo enquanto um jovem advogado confrontado na defesa de dois irmãos de um caso de homicídio evidente.

            O filme é dos mais admiráveis da filmografia mundial, mas o que é importante reter quando estamos a vê-lo é a estrutura moral e ética de um cidadão impoluto que foi dos mais marcantes presidentes dos EUA, o republicano Lincoln, assassinado há mais de 150 anos.

            É confrangedor assistirmos nos EUA o que tem sido a magistratura dos últimos presidentes do País, com evidentes reflexos na instabilidade passada e  presente em diversos locais do mundo.

O edifício democrático em que assentam os EUA, afinal um continente com uma diversidade cultural, com assimetrias económicas, com falta de uma unidade religiosa, com um mosaico de raças tem conseguido sobreviver uma nação unida a um enorme desgaste que alguma gestão algo cataventista que tem imperado na Casa Branca e no Capitólio.  Os lóbis, as alianças espúrias por regimes de discutível espírito democrático, a falta provável de um antagonista forte em termos militares, a ultrapassagem demasiado rápida da sua estrutura económica tem levado os EUA a esta situação, e ainda por cima acresce que já há décadas que é um País pouco confiável na perenidade das suas relações externas. Como bem dizia o cínico Henri Kissinger: Ser inimigo dos EUA pode ser perigoso, mas ser amigo é fatal.”, ou ainda,A América não tem amigos permanentes ou inimigos, apenas interesses”.

            Num tempo em que se assiste a um espetáculo permanente, e nalguns episódios até confrangedores, no quotidiano das relações internacionais vemos com preocupação um futuro que julgámos sempre ser impossível de acontecer.

            Voltando a Lincoln, um homem que obstinado venceu uma guerra civil por uma causa, a abolição da escravatura, afinal ironia do destino a bandeira dos republicanos e a oposição forte dos democratas, deixou um legado no seu discurso no filme de John Ford: “O poder começa quando cada um sentir como sua a lei de todos”.

               

                Quando me desapetece falar de questões internas há sempre o recurso às externas.

 

 

Fernando Pereira

10/03/2021

               

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