ESCREVER NA ÁGUA
“Há sempre qualquer coisa que está para acontecer, qualquer coisa que
eu devia perceber”
José Mário Branco “Ser
Solidário”.
Há mais de quarenta anos que
escrevo em jornais, revistas e em publicações diversas. Durante anos fui um
profissional da imprensa, e nunca deixei de exprimir as minhas opiniões, apesar
de por vezes as circunstâncias não serem as mais favoráveis para se escrever de
acordo com o muito que havia para mostrar. É a vida!
Continuo sem saber exatamente o
que se passa na transferência de competências da administração central para os
municípios, e acima de tudo gostava de perceber como é que algo que vai mexer
com tanta gente, alterar status quo prevalecente consegue ser ignorado entre os
pingos da chuva de uma informação cada vez mais marcada pelo sensacionalismo e
por agendas abastardadas por interesses que tem tudo menos a ver com o
interesse público.
A transferência de competências
tem trazido muitos problemas no País todo a pessoas, associações, IPSSs,
municípios, etc. Não parece trazer à administração central que cada vez alija
mais as suas responsabilidades para outros, num eufemismo do tipo de “espírito
descentralizador”, “aproximar as estruturas dos cidadãos”, e outras estultices
do tipo.
Nada disso. Perceber-se-ia o
espírito mas quando se promove esta atabalhoada e rudimentar transferência
esquecem-se dos recursos que existem, e o pior é que evitam lembrar-se que há
recursos suplementares que tem que ser entregues para que os serviços
transferidos funcionem, e que depois não andem nos habituais jogos de troca de
acusações quando as coisas correrem mal, e tem tudo para correr muito mal.
Os professores, uma profissão
indispensável em qualquer sociedade de exigência, tem estado na luta pelos seus
direitos. No essencial estou de acordo, mas recuso-me a aceitar que uma das
reivindicações seja não aceitar a municipalização do ensino, algo que já
acontece na maioria dos países da EU. O argumento é algo torpe para com
estruturas do poder local, de grande importância na Constituição da República
de 1976, e reconhecidamente como fator de desenvolvimento da democracia e da
liberdade.
O anátema que colocam sobre as
autarquias é aviltante, porque infelizmente também há compadrio e corrupção na
administração central, empresas publicas ou participadas pelo estado, pelo que
o que acontece nas Camaras é só a extensão de tudo o resto. Os professores, que
são respeitados pela grande maioria da população não devem partilhar as ideias
de grupos de pessoas detratoras do estado democrático, e devem exigir que a sua
luta seja para que as estruturas onde assenta a democracia sejam transparentes
e organizadas.
Sobre os recentes desenvolvimentos
da pedofilia da ICAR nada de novo e também sei que o futuro próximo vai tudo
ser ungido com santos óleos e as mãos lavadas com água benta. O exemplo do PR a
“engolir” o anel cardinalício não indicia nada a preceito. Há muitos anos que é
assim.
Recomendo sobre o assunto o filme
Spotlight - Segredos Revelados, de 2015, em que o tema são os abusos sexuais e
pedofilia na Igreja dependente do Cardeal de Boston. Os jornalistas do “The
Boston Globe” foram premiados com o prémio Pullitzer, neste grande trabalho de
investigação que abalou a Igreja Católica nos EUA e no Canadá no dealbar do
seculo XXI. Um dos melhores trabalhos de investigação do jornalismo recente, e
que teve consequências invulgares num sórdido esquema de violação e pedofilia
que a ICAR faz há seculos, sem que haja uma punição exemplar que possa dar
exemplo que provavelmente há um estado laico a funcionar.
Como dizia um “trânsfuga” do
Seminário do Fundão, o beirão Vergílio Ferreira: “Somos um povo de analfabetos.
Destes há alguns que não sabem ler”.
Fernando Pereira
5/3/2023
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