“Primeiro vem o
estômago cheio, depois vem a ética”
O
título é de uma frase de Bertolt Brecht, e só circunstancialmente tem a ver com
o texto.
O Expresso fez 50 anos. Lembro-me
de ter comprado em Coimbra para o meu pai, o número um, por cinco escudos, num
tempo em que os jornais custavam 2,50 escudos, e que por andanças várias em
tantos locais acabou por desaparecer esse exemplar do meu baú das recordações.
Durante
décadas comprei o Expresso, lia-o mesmo quando não concordava com muito do que
se lá opinava e o critério do filtro das notícias. Fiz alguns artigos de
opinião há uns anos, que me valeram mais uns quantos impropérios por parte de
alguns leitores, mas é da vida!
O
Expresso foi uma lufada de ar fresco no cinzentismo da imprensa portuguesa de
então, e só o facto de Francisco Pinto Balsemão ter sido deputado da Acção
Nacional Popular pelo distrito da Guarda lhe terá valido alguma condescendência por parte de
uma censura feroz que Marcelo Caetano transformou num “Exame Prévio”, num período
em que se mudou tudo para que tudo ficasse na mesma.
O grupo
poderoso em que o Expresso se tornou ajudou a melhorar o panorama da
comunicação social em Portugal, mas ao mesmo tempo nota-se que não consegue por
vezes ir mais longe nas suas pesquisas, porque a imprensa não consegue sair do
invólucro económico onde a sociedade está inserida.
Li o
livro de Francisco Pinto Balsemão, e acho um documento interessante, embora
haja alguns casos, nomeadamente a situação do BES Brasil em 2015 que me
pareceram desculpas esfarrapadas para que o Expresso não tivesse dado
continuidade a uma investigação. Este é apenas um exemplo como poderia dar
muitos mais, como o silencio sobre os “Panamá Papers”, e outras investigações
que terão ficado adiadas para as calendas gregas.
Convém,
contudo, dizer que prefiro um Expresso como sempre foi, a outros que se arvoram
em independentes que tem gente que quando lhes cai a máscara afundam-se em
águas profundas na vertigem do poder. Parabéns ao Expresso, e não conto estar
cá quando fizer mais 50 anos.
O
jornalismo tem-se desprestigiado, não tanto porque a qualidade dos
profissionais tenha piorado, antes pelo contrário, já que hoje tem melhor
preparação e maior quantidade de recursos, mas porque há uma cada vez maior
intervenção das administrações das empresas de comunicação social nas direcções
dos órgãos e concomitantemente por aí abaixo.
Albert
Camus dizia “Nada é mais desprezível do que o respeito baseado no medo”. O
jornalismo não escapa ao “círculo de giz caucasiano”, que lhe é imposto pelo
endosso económico e pela coesão social que condiciona o nosso comportamento
coletivo.
Os
jornalistas hoje escrevem e falam pouco mais que o óbvio, e fazem o favor às
audiências através da chicana política a falarem de carros, salários e
indeminizações extraordinárias, que é algo importante, mas que não é tudo no
quotidiano do País, nem determinante para o futuro do bem estar dos cidadãos.
Por
acaso algum jornalista já foi instado a fazer um trabalho sobre a realidade da
atribuição de competências aos municípios na área social e as consequências e
desemprego que vão gerar um pouco por todo o País, para além de outras pouco
claras.
Este é
só um exemplo, como poderia dar muitos, sobre tantas palavras que se pedem a
silêncios que se perpetuam. Como dizia Jean Paul Sartre: “Todas as palavras têm
consequências, os silêncios também têm”.
Faz
também a 20 de janeiro, cinquenta anos que foi assassinado em Conacri, na República
da Guiné-Conacri, Amílcar Cabral, então líder do PAIGC (Partido Africano para a
Independência da Guiné e Cabo Verde). Porque foi um dos grandes da libertação
dos povos e o maior estratega da luta contra o colonialismo português, e porque
era um homem de grande craveira intelectual não gostaria de deixar de relevar
esta infausta efeméride.
Bom Ano de 2023, e façam como D. Diniz e desconfiem de rosas
em Janeiro!
Fernando Pereira
8/01/2023
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