A Birbantocracia está a instalar-se?
“Infalível,
também, era o Doutor, aquele cavalheiro estimável, mas de aspeto lúgubre, que
todos apenas conheciam por este nome: o Doutor. Sempre vestido de preto, sempre
de luvas, amarelo como uma cidra, persistia na sua mudez taciturna; porém,
continuava a escutar com uma atenção intensa, a testa franzida, piscando
vivamente os olhos, como num profundo trabalho cerebral. Respeitador fervente
das instituições, das personalidades oficiais, ninguém sabia ainda onde ele
vivia, nem de que vivia: mas precipitava-se com tanta veneração (porque era
homem de sociedade) a tomar as xícaras vazias das mãos das senhoras, dizia com
tanta convicção, na sua voz cavernosa, «tem V. Exª carradas de razão»; que era
geralmente considerado como um excelente moço.”
Este é
só um delicioso detalhe, da farsa o “Conde de Abranhos” ,que Eça de Queiroz
(1845-1900) fez sobre a sociedade do seu tempo.
O “Conde
de Abranhos” era a personagem típica do carreirismo, “carneirismo” e bajulice no
seu pior, e infelizmente acontecendo em várias latitudes e na vivência
quotidiana de sociedades que não passam de ter este “status”.
O Conde
de Abranhos estudou na Universidade de Coimbra, onde começou por denunciar um
colega, o que lhe permitiu passar a usufruir favores dos seus superiores.
Simultaneamente envolve-se com a “criada”, que fica grávida e imediatamente
abandonada, e o rapaz recém-nascido completamente esquecido. Vai para Lisboa,
trabalho no escritório do causídico Vaz Correia, que o guinda a redator chefe
do Jornal “Bandeira Nacional”.
Percorrendo
os corredores do poder, casa-se com a filha do Desembargador Amado, Virgínia de
seu nome, o que lhe assegura de imediato 10 mil cruzados de renda, e
fundamentalmente abre-lhe as portas de S. Bento (Assembleia Nacional de
Portugal). É eleito deputado por Freixo de Espada à Cinta, onde faz discursos,
vazios de conteúdo, sobre a reforma das instituições, a política colonial e o
caminho-de-ferro do leste. Como os tempos não corriam a favor da sua linha política,
não faz disso um problema, e passa-se com armas e bagagens para oposição que em
troca o coloca como um “cinzento” Ministro da Marinha, lugar que ocupa como
“estátua” durante dois anos, sem que alguém dê por ele.
Trouxe
aqui o “Conde de Abranhos” porque ilustra o quotidiano do poder, dos títulos
tantas vezes conseguidas à custa de coisa pouca ou coisa nenhuma, e da
influência que certas criaturas tem nos corredores do mando sem que possuam
qualquer tipo de competência, legitimidade académica e comprovada experiencia
na gestão de qualquer coisa pública.
Fazem-se
muitas vezes as cadeiras em função dos rabos de quem usa argumentos para se lá
sentar, nem sempre os mais ortodoxos, e frequentemente a cadeira é feita para à
medida de gente que se encostou a quem tenha força suficiente para os lá
colocar. Temos que recuar ao império romano, que com toda a sua corrupção e
nepotismo nas hierarquias do poder havia um cuidado muito especial para se
escolherem os rabos dos cavalos que equipavam as quadrigas, por forma a não
destabilizarem toda a carruagem nas lutas que se iam fazendo nos jogos, nas
batalhas e no transporte de pessoas de elevada importância.
Bom Ano
para todos e também para os muitos Abranhos que por aí andam!!
Fernando
Pereira
10/01/2021
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