O Passado é um resto!
Diógenes (n. 404 a.c.- m. 323
a.c) dizia que” entre os animais ferozes, o de maior mordidela é o delator,
entre os animais domésticos, o adulador”, e a realidade vai-nos demonstrando
quanto estava certo o “Cínico”, um homem que viveu no pior da indigência,
calcorreando Atenas com uma lamparina acesa em busca de um homem honesto!
Vai-se
o cacimbo arrastando, e os assuntos vão sendo discutidos um pouco na base do
quase defenestrar José Eduardo dos Santos e glorificar o novo inquilino do
Palácio da Cidade Alta, João Lourenço. Pelo que vou vendo quem vai denegrindo
um e santificando outro, são exatamente as mesmas pessoas que sempre fizeram
isso, salvo as exceções que confirmam a regra!
Um
dos maiores da língua portuguesa, José Régio termina o seu “Cântico Negro” Não sei
por onde vou, Não sei para onde vou ... Sei que não vou por aí!”. É mesmo
assim, mais que assim, vou-me refugiar nas historietas por uns tempos!
No
dealbar da independência passeava despreocupadamente na Baixa de Luanda, num
tempo em que se andava a pé, despreocupadamente e havia Baixa e até Luanda
existia, e parei mais ou menos em frente ao Centro de Imprensa Aníbal de Melo,
num estabelecimento de fotografia que havia do outro lado da rua, a velhinha
“Foto Castro”. Olhei para uns escaparates empoeirados que ladeavam a entrada do
estabelecimento, e entre muitas fotos que permaneciam fixas com pioneses
enferrujados e amarelecidas pelo tempo encontrei lá uma minha, e durante muito
tempo ela lá permaneceu ao lado de muitas outras que mais não éramos que o
rosto do colonialismo derrotado pelas “forças populares”!
Há
quarenta anos devíamos ter os sessentas que hoje temos, para não termos feito
tanto erro, e não ter hipotecado o País a uma geração que irá sofrer as
consequências do nosso voluntarismo, alguma irresponsabilidade, muito
oportunismo e sem respeito alguma pela causa publica! “Aos vinte anos reina o
desejo, aos trinta anos reina a razão, aos quarenta o juízo” Albert Camus.
A
nossa geração, a que ia promover a igualdade construiu uma sociedade de
profundas divisões e uma estratificação social em que os “Condenados da Terra”
como dizia Fanon, são a maioria da população do País. Faz-me lembrar uma frase
que sintetiza tudo isto: “Pai a pé, filho a cavalo, neto descalço”! Não nos vamos livrar deste ferrete e
continuamos a apostar nos mesmos birbantes que nos conduziram a tudo isto. Sinto
que a nova geração tem toda a legitimidade de nos acusar de ter esbanjado
recursos, destruir património edificado e natural, ter promovido a
incompetência, e não lhes deixar um País solidário e que defenda os mais
elementares direitos do cidadão! Nem história deixámos!
Alguns
da nova geração foram beneficiados porque tinham o “papá na algibeira”, e isso
dava-lhes notoriedade social, umas passeatas, uns carros de alta cilindrada,
mas no fim são a imagem acabada de um período que começou bonito, mas que se
transformou num verdadeiro lodaçal, de onde não se vislumbra saída.
Lembro-me
de ver o Afonso Van Dunem M’Binda, ao tempo MRE de Angola estar junto ao
passeio, em frente de sua casa em Alvalade, a um sábado de manhã a lavar o seu
carro de serviço com uma mangueira, de calções, t-shirt e chinelos, dizendo
adeus a quem o cumprimentava. Comentei na altura com um amigo que pontualmente
vinha a Luanda dar aulas na faculdade de direito da UAN, com algum
indisfarçável orgulho que “devia ser o único País do mundo onde o ministro da
Relações Exteriores lavava despreocupadamente o carro na rua”. Tudo isso acabou,
e as lavagens começaram a ser de coisas bem mais perigosas e ruinosas para o
erário público.
“Tenho
o privilégio de não saber quase tudo. E isso explica o resto”, como disse
Manoel de Barros e por isso a minha quota de responsabilidade na forma como
entregámos o País às novas gerações é capaz de não ter sido muito grande. Não o
terá sido por participação ativa, na
definição da estratégia ruinosa que se assistiu no pós-guerra, mas talvez tenha
sido bem maior por omissão, que assume uma enorme dose de grande
responsabilidade!
Quando
começam a faltar recursos e soluções discute-se a legitimidade da angolanidade
de certas pessoas, mas objetivamente não é esse tipo de discussão que importa e
aqui socorro-me de Marguerite Yourcenar: “O verdadeiro lugar de nascimento é
aquele em que, pela primeira vez, se lança um olhar inteligente sobre si mesmo.
Talvez
um dia Angola seja um País viável e confiável!
Fernando Pereira
29/07/2019
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