A VIDA NÃO PASSA DE UMA
TROCA DE CHEIROS
“Os homens fazem a sua própria história,
mas não a fazem livremente, nas condições por eles escolhidas, mas sim nas
condições diretamente determinadas e legadas pela tradição. A tradição das
gerações mortas pesa como um sonho mau no cérebro dos vivos. E até mesmo quando
parecem ocupados em transformar-se, a si e às coisas, em criar algo que ainda
não tenhamos visto, é precisamente nestas épocas de crise revolucionária que
evocam com inquietação os espíritos do passado, pedindo-lhes emprestados os
seus nomes, as suas palavras de ordem, os seus costumes, para entrarem na nova
cena da história debaixo desse disfarce venerável e com essas palavras
emprestadas.”
Karl
Marx in Early Texts
Apesar
de a partir de determinada altura se rejeitar na sociedade angolana o marxismo,
transformando-a num misto de neoliberalismo e capitalismo selvático (diferente
de selvagem) não devemos deixar de fazer reflexões sobre qual será a nova
matriz ideológica do País.
Passámos
de um tempo de arremedo de marxismo-leninismo, ou socialismo científico, como
alguns gostavam de o propalar nas intermináveis reuniões do partido nos
ministérios ou empresas, para um petro-marxismo em que tudo gira em função do
preço do barril.
Angola
deixou “a moda do marxismo-leninismo”, como disse em determinada altura Dino
Matross, quando se referiu, de uma forma algo infeliz, a um período de Angola
pós Novembro de 1975, para passar para uma situação híbrida que foi o navegar à
vista ao sabor do preço do Brent.
O
angolano, que fruto da necessidade de afirmação no contexto de dificuldades
inerentes à independência do País, criou um “umbiguismo” endógeno, que o estado de abastança do
petróleo hiperbolizou. Angola era o centro do mundo e tudo o resto rodava à
volta do País. Não nos perguntávamos se éramos suficientemente melhores, ou até
mesmo suficientes para sermos de facto o que julgávamos ser, com alguma soberba
de permeio.
Hoje
navegamos na desesperança e nem a mudança do “sloganguismo” consegue dar um
rumo aos novos tempos tantas vezes prometidos, e penosamente adiados.
Pepetela
no Mayombe na personagem Sem Medo: “queremos transformar o mundo e somos
incapazes de nos transformar a nós próprios”. Foi premonitória esta frase da
figura central dum dos livros maiores da literatura angolana.
Angola
foi durante demasiados anos a mata, ou a “guerrilha” na cidade, com todas as
suas convicções, com o seu determinismo, e com a vontade de fazer, mas foi
simultaneamente o lugar de desconfianças, de intrigas, de violência, de traição
e também do amiguismo.
João
Lourenço acaba com um ciclo que já devia ter acabado há uns anos! O fim dos da
guerrilha no aparelho do Estado, nas Empresas e na condução dos destinos da
economia e da política do País.
Quando
Neto morreu e José Eduardo dos Santos emerge como Presidente da Republica
pairou a ideia que iria haver um maior enfoque na hierarquia das competências,
já que a experiencia vivida até então, com muito voluntarismo à mistura tinha
transformado o País num estado desolador mormente na economia.
Na
altura dizia-se em surdina que “Angola ganharia muito se desse aos
guerrilheiros uma vivenda no Mussulo, uns criados, carros e outras mordomias
diversas e que se mantivessem afastados da direção económica e política do País”.
Obviamente que este tipo de retórica vinha de sectores muito críticos da
evolução política do País, e que anos mais tarde fizeram parecerias e
sociedades com os que na altura vilipendiavam.
O novo
Presidente da Republica consegue inverter um ciclo que só poderia ser possível
com o desaparecimento físico dos que emergiram da guerrilha. Isso abre algumas novas oportunidades aos
cidadãos, porque se acaba de vez com essa honorável, mas a partir de
determinada altura dispensável condição de guerrilheiro, para se subir na
hierarquia, ou ter direitos mais que adquiridos.
“…a
fronteira entre a verdade e a mentira é um caminho no deserto. Os homens
dividem-se dos dois lados da fronteira. Quantos há que sabem onde se encontra
esse caminho de areia no meio da areia?
Existem,
no entanto, e eu sou um deles. Sem medo também o sabia. Mas insistia que era um
caminho no deserto. Por isso se ria dos que diziam que era um trilho cortando,
nítido, o verde do Mayombe. Hoje sei que não há trilhos amarelos no meio do
verde.” Mayombe-Pepetela
Fernando
Pereira
29/10/2019
Sem comentários:
Enviar um comentário