Uíge: cem anos que viva…
A 1 de Julho de 2017 a cidade do
Uíge comemorou cem anos, data que marcou a chegada de um parente afastado,
capitão da “circunscrição militar do Bembe”, de seu nome Manuel José Pereira
que ocupou uma colina onde instalou o primeiro fortim português naqueles
lugares.
Enquanto
a Europa e no sul de Angola estava encarniçada a 1ª guerra mundial, quando
Kerensky se preparava para perder o poder na Rússia para os sovietes, abrindo
caminho à Revolução de Outubro, nas florestas do norte de Angola
“pacificavam-se” as gentes que queriam manter seus hábitos, sua religião, sua
cultura e a sua economia! Triste sorte!
Fica no
comando deste fortim, erigido onde hoje é o centro cívico da capital da província,
o Alferes Tomaz Berberan que de facto transforma o pequeno forte num entreposto
comercial que ganha alguma dimensão rapidamente.
Numa
ação de “promoção” o alferes Berberan começou a sensibilizar empregados do
comércio de Ambriz e Ambrizete para se fixarem na povoação do Uíge, e assim vai
florescendo a cidade que passa da administração militar para a administração
civil em 1922.
A
cidade tornou-se no centro da produção de café da região, e os melhores
terrenos passaram a maior parte das vezes, por meios sórdidos para a pertença
de fazendeiros brancos, relegando os locais para a miséria, para o trabalho
coagido e para a fuga para o vizinho Congo-Belga.
Foi
vivendo ao longo do tempo colonial os momentos de euforia e os de desanimo,
fruto das cotações do preço do café a nível internacional. Essas circunstancias
foram condicionando o ritmo da urbe, que em 1955 num arremedo patrioteiro muda
o seu nome original para Carmona, procurando homenagear o recentemente falecido
presidente de Portugal. Em 1956 foi elevada à categoria de cidade!
Em
Março de 1961 os fazendeiros brancos sitiados na cidade repeliram os
guerrilheiros que iniciaram a guerra de libertação no Norte de Angola, tendo
sido “Carmona” um dos lugares simbólicos de resistência dos “portugueses”. Foi
libertada pelas FAPLAS e tropas cubanas em Janeiro de 1976, colocando em fuga
os elementos da FNLA que se encontravam na cidade e arrabaldes.
Restabeleceu-se
a administração central através da instalação do governo provincial, com todos
os serviços desconcentrados da administração publica, mas a atividade económica
da cidade e da província soçobrou por completo com a saída massiva dos colonos
portugueses.
Ao
longo destes quarenta e poucos anos de independência viveu períodos muito maus,
fruto da guerra permanente até 2004.
Teima
em sair do marasmo, mas o que se assiste é ao abate indiscriminado de árvores
de grande porte e à erosão rápida da camada produtiva dos solos. O Uíge assiste
hoje a um verdadeiro crime ambiental, que vai deixar a curto prazo uma
população sem qualquer meio de desenvolverem uma atividade produtiva sustentada,
que promova a fixação de pessoas à região.
A malha
urbana é um exemplo típico como uma determinada atividade agrícola (café), e o
comércio a ele ligado foram determinantes no desenvolvimento de uma cidade. Os
anos 50 do seculo XX a cidade cresceu e multiplicaram-se as construções
particulares e fizeram-se casas para instalar os funcionários públicos. Não
faltava também o caracter lúdico e turístico, com clubes e cineteatros, hotéis
e campos desportivos.
Em
Novembro de 1968 foi feito o 1º plano de Urbanização de autoria de Maria de
Lurdes Rodrigues, que coincidiu com a criação da repartição de urbanismo na
Camara Municipal de Carmona. Era um projeto interessante no que ao enquadramento
dos edifícios nas ruas, largos e praças. Propõe jardins, edifícios em altura,
habitações unifamiliares isoladas, dizia respeito. Tem, contudo, o senão de não
dar uma visão de conjunto, e apesar de resolver algumas questões urbanísticas,
deixa muitas questões em aberto, ficando por concretizar a utilização dos
espaços intersticiais.
Não
deixa de ser interessante que há no Uíge algumas edificações que recuperam a
“casa portuguesa” principalmente o bairro residencial para funcionários
públicos. O modelo “Português Suave” está patente na delegação do BNA e ainda
de certa forma nas instalações dos Correios e Finanças. O Palácio do Governo e
a Camara Municipal tem uma feição monumentalista. O edifício da rádio, de
expressão moderna é atribuído ao arquiteto angolano Simões de Carvalho,
curiosamente o autor do edifício da RNA em Luanda.
Não
nasci no Uige, mas fui para lá com quinze dias. Foi o Uige da minha meninice
até á minha entrada para a escola no dealbar dos anos sessenta. Depois passei a
ir até lá nas férias com regularidade, depois irregularidade, seguida de falta
de regularidade até à ausência total de regularidade, o quer dizer que deixei
de ir.
Nunca
foi uma cidade que me marcasse por aí além, e sinceramente não apreciava muito
o “far-uíge” prevalecente no quotidiano da cidade, com algum novo-riquismo a
dominar a estratificação social da cidade, que o preto estava naturalmente
impedido de partilhar.
Desejo
ao Uige, aos seus nados e criados melhores dias que outros tiveram nos cem anos
anteriores, e que encontrem na cidade a atividade que os fixe e que ajude a
promover a educação, a saúde e a intervenção cívica dos seus cidadãos.
O
centenário que um dia festejar é ter tudo isso acessível à generalidade da
população e assim o Uige será uma cidade rica, porque é solidária e há um
estado de excelência no social para as gentes desta terra abençoada por água e
até ver vegetação que já foi luxuriante!
Fernando Pereira
17/10/2017
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