14 de agosto de 2025

A rua caiu no poder?

                                                                         


                                            

                                                A RUA CAIU NO PODER?

“O que o rebanho mais odeia é aquele que pensa de forma diferente, não é tanto a própria opinião, mas a audácia de pensar por si mesmo, algo que eles não sabem fazer” Artur Schopenhauer.

                Aqui há uns dias “caí na sopa” num grupo de companheiros de jantar de um amigo. Era gente que falava alto, que assumia a autoridade sobre tudo que se passava na mesa, no País e no mundo. A comer havia tiques omnívoros.  O denominador comum nas conversas na mesa era sobre “a desonestidade dos políticos”.

                A indignação subia de tom com a passagem repetida de jarras de vinho pela mesa. Como se perceberá eu estava condicionado porque as minhas relações com a maioria dos do grupo cingiam-se ao educado bom dia ou boa tarde.

                Enquanto se discutiam as malfeitorias dos governantes e autarcas íamos assistindo a um jogo numa TV, e presumi que estávamos a ver à borla num aparelho qualquer de TV pirata, porque segundo as palavras do dono do aparelho “não alimentava chulos”.

                Entre partes e apartes fui constatando que uns e outros iam metendo umas cunhas para agilizarem alguns pendentes, que um cidadão comum sem acesso a “influentes” teria dificuldade em ver resolvidos. Claro que a gratidão por ver a coisa tratada seria objetivada no futuro em algo tangível, ou na troca de favores.

                Cada vez era maior a raiva à impunidade dos políticos perante coisas que apareciam em letras garrafais com títulos apelativos à “justiça popular” de cidadãos, que em certas circunstâncias me fazem lembrar a labreguice dos meus companheiros de deglutição de um jantar que só por ter apanhado uma boleia me desconfortou manter-me até ao fim.

                As redes sociais são a caixa de sonância e ressonância de tanto “justiceiro”. Todos denunciamos e anunciamos patifarias, exceto as nossas e dos de quem gostamos. Vou dar um exemplo caricato q.b. de uma determinada situação: Aqui há uns anos uns técnicos de saúde foram condenados por burla ao SNS. As televisões ávidas de reproduzirem até à exaustão montaram um acampamento à porta do tribunal. Pasme-se que passados uns anos “tropeço” nas redes sociais num dos que foram condenados nessa situação e indignado contra os políticos porque defraudam sistematicamente o estado perante o assobiar para o lado da justiça. Um verdadeiro recuperado!

                O calor dilata muita coisa, as redes sociais e a imprensa coscuvilheira fazem pior e a sociedade tem que se conformar com novos espaços de julgamento.

                Para recordar tempos idos aqui está uma das muitas pérolas do almirante Tomaz, o último presidente da ditadura: “Comemora-se em todo o país uma promulgação do despacho número Cem da Marinha Mercante Portuguesa, a que foi dado esse número não por acaso, mas porque ele vem na sequência de outros noventa e nove anteriores promulgados...”

                Começar com Schopenhauer e acabar com Américo Tomaz mostra bem o estado a que se chegou.

                Veraneiem-se muito!

Fernando Pereira

9/8/2025

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