19 de janeiro de 2019

Ao Silvo da Locomotiva




Ao Silvo da Locomotiva



Em Lisboa e Luanda tem acontecido apresentações de livros em catadupa.
                Nunca me lembro de um tempo tão profícuo das letras angolanos, nem de tanto livro sobre Angola. memórias, reflexões, vivencias, poesia, coletâneas, história, estórias, e tudo o resto. O ritmo é tão grande que as posses de um qualquer remediado não podem dar vazão a tamanho movimento.
                Já li algumas coisas que saíram, algumas até mediatizadas até à medula, e de facto sinto-me impotente para vir aqui falar do muito que não gostei e vou-me limitar a escrever sobre um dos poucos que admirei, repetindo-me que me faltou o folego para tanta coisa que saiu!
                O livro de Bruno José Navarro Marçal, que assenta no seu trabalho de doutoramento na Universidade Nova de Lisboa, editado pela Colibri, “Um império projetado pelo silvo da locomotiva” é uma obra de grande interesse para se perceber como nasceram algumas linhas férreas em Angola e Moçambique, como se desenvolveram e quais foram os entraves para que algumas tivessem ficado nas boas intenções de quem as sonhou.
                O autor, um jovem que não tem rigorosamente nada a ver com Angola ou Moçambique, segundo julgo saber, e desempenha neste momento as funções de diretor do Museu de Foz Coa e do Parque Arqueológico do Vale do Coa, num dos afluentes do Douro internacional, numa zona polvilhada de quintas e vinhedos propriedade de alguns angolanos, que terão optado desenvolver-se por estas paragens!
                Este livro, um trabalho científico, naturalmente muito documentado, poderia até dizer em linguagem de rua, “demasiado picuinhas”, é o primeiro instrumento rigoroso que me chega às mãos sobre as incidências do que foi a batalha para construir caminhos de ferro em Angola, e sobretudo perceber o que foi o desenvolvimento do País em torno do carril, enquanto valor acrescentado.
                Este livro leva-nos a uma Angola imensa num primeiro terço do século XX onde tudo era difícil, e onde as diferentes linhas e ramais do comboio conseguiram ligar o interior ao litoral, juntar gentes, multiplicar recursos e promover a unidade do território. Os avanços e recuos de algumas linhas, as incertezas da sua rendibilidade e as guerras de interesses que se instalaram e que para além das liças parlamentares em Lisboa, levaram a desafios de pancadaria entre mui nobres senhores pelas opções em presença!
                Não venho pormenorizar o que li no livro, mas quero lembrar que não há muitos anos, no tempo em que Angola pensava em grande, esquecendo-se que tinha que resolver o que era maioritariamente pequeno, houve uma ideia que também andou na cabeça do “colono” que seria ligar o Caminho de Ferro de Benguela via Zâmbia pelo saliente de Cazombo, ou na” bota do Dilolo” como também é conhecida a zona sul do Luau, que até 1927 pertencia ao então Congo Belga. Esse estudo, que terá sido pago a “peso de ouro” como vem sendo normal nos muitos que estão nas múltiplas gavetas estatais e privadas, orçava a construção dessa linha em 12biliões de dólares, e para além de ninguém ter tido coragem de avançar com o projeto, terá havido algum decoro em dizer quando haveria um retorno do capital investido! As linhas que a Angola tece. Seria mais um elefante branco, dos muitos que vamos alimentando com tenra erva de ouro.
                Estas decisões e indecisões sobre a via férrea não é coisa de agora! Ficaram umas pontes, uns projetos de um Caminho de Ferro do Congo que ligaria Luanda ao Caxito, Ambriz e iria em direção a Leopoldville, mas não houve financiamento e ficou uma ideia de que muito poucos se lembram.
                Talvez nem tenha muito a ver com o assunto, mas vejam este texto:”. Em qualquer caso, teremos que produzir em boas condições económicas-e essas condições, por vários motivos, não se verificam na colónia. Angola continua, de um modo geral a produzir caro e a não poder economicamente explorar muitas das suas possibilidades. Vários fatores para isso concorrem. Todos eles derivam, em ultima análise, do abandono a que tem sido votados importantes problemas de fomento, que ao Estado, que não aos colonos compete solucionar. Pode, verdadeiramente, dizer-se que nunca se estabeleceu um programa de conjunto, atinente ao desenvolvimento de Angola, em que se compreendessem a racional utilização das múltiplas fontes de riqueza e aproveitamento dos seus imensos recursos- que nesse programa se tivesse entrado em franca execução e que esta fosse levada a cabo. A única tentativa seria ou digna desse nome foi a do Alto Comissário Norton de Matos- e a deplorável sequencia dos acontecimentos, de que temos sucinta notícia diz-nos eloquentemente do fracasso a que, por falta de meios e continuidade essa tentativa conduziu. Assim se descurou a organização do crédito em bases capazes de criar as grandes iniciativas e de assegurar o útil rendimento do esforço dos colonos. O problema dos transportes e comunicações, tanto por caminho de ferro, como por estradas e via fluvial, está infinitamente longe da solução que a área geográfica, o potencial de produção de certas regiões e até a disciplina e metódica utilização do existente exigem. Este é sem dúvida um dos fatores que mais se faz sentir em detrimento da economia de Angola onerando sobremaneira a produção.”
                “O problema da energia, como fonte de desenvolvimento industrial e agrícola tem sido quase totalmente descurado- sem que faltem em Angola imensas possibilidades naturais de aproveitamentos hidroelétricos. Idêntico é o panorama que a colónia oferece em obras de hidráulica agrícola que a levassem à utilização de grandes áreas, ainda abandonadas, e ao racional aproveitamento de outras em benefício do seu rendimento. Nunca pensámos, a fundo e a sério, no problema científico de Angola, que a todos os outros substancialmente domina nos seus aspectos geográfico, geológico, botânico e zoológico, quando é certo que pela sua solução será possível o conhecimento perfeito da colónia e as directizes em que deve assentar a sua reconstrução económica.”
                Este texto foi retirado do livro de Álvaro de Freitas Morna, governador geral de Angola em 1942 e 1943. O livro é “A situação económica de Angola” de 1945, traz um conjunto de problemas, e não deixa de ser curioso como “A história repete-se, a primeira vez como farsa, a segunda como tragédia” (Karl Marx em 18 Brumário de Luis Bonaparte).
                Um discurso coerente nos dias de hoje!!!

Fernando Pereira
28/11/2018

                 

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