27 de agosto de 2010
É preciso acreditar/ Ágora/ Novo Jornal / Luanda 28-8-2010
Quotidianamente na comunicação social angolana, o enfoque é sobre situações bizarras, nepotismo exacerbado, desmandos de mandos públicos ou atitudes que promovam nemésicas situações.
Eu próprio me sinto muitas vezes tentado, a falar do que é quase óbvio na sociedade angolana actual, transformar algo em notícia e ser relevada. Raras vezes, falamos do que de Angola tem de extraordinariamente bom, e que nos faz acreditar no País, como o fomos fazendo ao longo de três décadas e meia. Simone de Beauvoir, dizia apropriadamente sobre uma situação semelhante: “ É horrível assistir à agonia de uma esperança”!
Isto tudo vem a propósito de uma notícia que me “encheu as medidas” esta semana, e que tem a ver com a redução dos casos de tuberculose para metade do ano transacto, o que é motivo de grande orgulho para todo o angolano, já que merece uma referência destacada por parte da OMS. Os nossos “profetas da desgraça”, olham com desconfiança para os números, mas eu estou-me pouco importando, quero acreditar que é verdade, porque Angola tem muita gente de grande valor, que não anda pelo jet-set, pelas festas pejadas de opíparos sabores, circunstanciais paixões e odores desinspirados.
Ao longo do tempo, houve investimentos na saúde das populações de Angola e os esforços nalguns casos foram assinaláveis, embora também haja o reverso da medalha.
Aqui há uns tempos ao ler o livro de Miguel Pinto Pereira, editado em Portugal pela “Sopa das Letras”, com o título “O ano em que devia morrer”, mostra quão inequívoco foi o investimento de Angola no recrutamento de médicos, enfermeiros e paramédicos no dealbar da independência, e acima de tudo quais os esforços que foram feitos para combater a poliomielite entre as crianças. É um depoimento insuspeito, de um médico cubano, que descobre a sua “Litlle Havana” no Lobito, pois começa e acaba o livro num sistemático ataque à Cuba que emerge com Fidel de Castro. Acho que poucos angolanos se deram conta desse esforço, mas é importante realçá-lo, principalmente em tempos em que tudo é mais fácil, e certas coisas facilitadas, o que também não é muito bom!
Gosto muito de notícias destas, como gosto de ver esforços na construção de escolas, bolsas de estudo no exterior e um apoio maior às famílias para que o sucesso do País no futuro, seja fruto do investimento que tem sido feito, embora por vezes de forma descontinuada, por razões conhecidas.
Em 1979, o ano foi dedicado à Formação de Quadros em todo o País. O então partido único MPLA-PT, decidiu que o governo, apesar da guerra, devia levar a educação de forma generalizada a todo o País e toda a população.
Seguindo o critério, alicerçado no método de Paulo Freire (1921-1997), educador brasileiro da célebre “Pedagogia do Oprimido”(1970) e “Educação como prática da liberdade” (1967), de que quem sabia mais, mesmo que fosse pouco mais, devia ensinar quem não sabia nada, conseguiu-se levar a alfabetização aos mais recônditos lugares de Angola, o que valeu ao País um prémio da UNESCO pelo combate pela elevação cultural dos cidadãos, no fim dos anos 70.
Nesse ano de 1979, quando o dólar era eternamente cotado a 29, 622 Kz, acordou-se com Portugal o envio de 2446 professores para o II e III nível do ensino de base, a ordenados que variavam entre os 45.000Kz e os 60.000Kz,direito a transporte, uma viagem anual paga, casa mobilada e equipada, e transferência de 50% do ordenado em dólares, para além de loja especial (quem não se lembra da Padaria Lima, transformada em loja do cooperante?). Não falo aqui dos acordos para professores universitários, mas em breve fá-lo-ei, porque estou suficientemente documentado para o fazer.
Vale pois a pena recordar, que Angola não é propriamente um espaço frequentado pelos irmãos Dalton do Lucky Luke, essa imorredoira BD do Morris e Goscinnye.
Já agora não esqueçamos Augé (2001): “ A memória e o esquecimento são solidários, ambas necessárias ao pleno emprego do tempo”!
Fernando Pereira
24/08/2010
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1 comentário:
Bela deambulação... lembro a fantástica estratégia para, nos idos 80, se erradicar a terrível poliomielite, situação impensável na Europa. Refiro-me ao rebuçado cujo recheio era a vacina... e assim se pôs fim a tão terrível doença que, bastava ter os olhos abertos, para se verificar o número de vítimas que connosco se cruzavam na rua. Realmente a cultura é unicamente de apontar defeitos e de não realçar o que de bom se faz.
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